Comunicado - Acórdão 352/2021
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro
1. No dia 27 de maio de 2021, foi proferido o Acórdão n.º 352/2021, pela 3.ª Secção do Tribunal Constitucional, que apreciou o recurso obrigatório do Ministério Público de uma sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte em que se recusou a aplicação da norma do n.º 6 do artigo 43.º do Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril, que manda agravar em um terço os limites mínimo e máximo da moldura penal do crime de desobediência previsto e punido pela alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal. No caso dos autos, tratou-se de desobediência a ordem de «recolhimento domiciliário».
2. O Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril, é um diploma regulamentar emitido pelo Governo no quadro da sua competência de execução do Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de abril, que renovou a declaração de estado de emergência constante do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março.
3. A questão fundamental do recurso era a de saber se o Governo tem competência própria, no quadro da execução da declaração presidencial do estado de emergência, para decretar normas em matéria de crimes e penas que integra a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição −, designadamente agravando os limites mínimo e máximo da moldura penal do crime de desobediência.
4. A maioria dos juízes entendeu que a execução da declaração do estado de emergência, compreendendo todas as «providências necessárias e adequadas ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional», é uma competência diretamente fundada no n.º 8 do artigo 19.º da Constituição. Uma vez declarado um estado de emergência ou um estado de sítio, o executivo passa a atuar no quadro de uma organização excecional do poder público, podendo não só editar normas na matéria dos direitos, liberdade e garantias abrangidas pelo decreto presidencial, como tomar providências em matéria de crimes e penas estreitamente relacionadas com a sua função de defesa da ordem constitucional.
5. Entendeu-se que não se trata aqui de nenhuma afetação das «regras constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania», proibida pelo n.º 7 do artigo 19.º da Constituição, uma vez que este poder normativo é absolutamente excecional e não inibe o uso regular do poder legislativo normal. O seu exercício baseia-se num título extraordinário (a declaração do estado de exceção), reveste carácter temporário (a vigência do decreto presidencial) e é orientado a uma finalidade específica (a restauração da normalidade constitucional). O executivo opera, neste quadro constitucional especialíssimo, como um legislador extraordinário ex ratione necessitatis.
6. Enfatizou-se ainda que este poder normativo de emergência cometido ao executivo na vigência de um estado de exceção constitucional não é arbitrário ou absoluto: no plano material, encontra-se vinculado ao princípio da proporcionalidade, plenamente operativo no momento da execução do estado de exceção e suscetível de controlo judicial; no plano institucional, o Governo responde perante o Presidente da República e a Assembleia da República (artigo 190.º da Constituição), sendo a aplicação da declaração de estado de sítio ou de estado de emergência objeto específico de fiscalização parlamentar (alínea b) do artigo 162.º).