Comunicado - Acórdão 500/2021
Processo n.º 353/2021
3ª Secção
Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa
1.No dia 9 de julho de 2021, foi proferido o Acórdão n.º 500/2021, pela 3.ª Secção do Tribunal Constitucional, que apreciou um recurso interposto de uma decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, aplicando o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, julgou não verificada a prescrição do procedimento contraordenacional instaurado contra o recorrente pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Aqueles preceitos previam a suspensão dos prazos de prescrição de crimes e contraordenações como medida de resposta à pandemia da doença Covid-19.
2. Tendo em conta que a norma em questão não foi decretada no uso de um poder de emergência constitucional, o Tribunal entendeu que a respetiva validade não podia ser aferida à luz do n.º 6 do artigo 19.º da Constituição, que se dirige exclusivamente ao poder de declaração do estado de sítio ou do estado de emergência atribuído ao Presidente da República.
3. A questão fundamental do recurso era a de saber se o artigo 29.º da Constituição, ao estatuir que «[n]inguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão» (n.º 1), nem sofrer «penas que não estejam expressamente cominadas em lei anterior» (n.º 3) ou «mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos» (n.º 4), se opõe à aplicação imediata aos procedimentos pendentes da causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2000.
4. O Tribunal considerou que as normas que estabelecem as causas de suspensão da prescrição, embora não contempladas diretamente pela letra do artigo 29.º da Constituição, se encontram abrangidas, em princípio, pela proibição de aplicação retroativa da lei de conteúdo desfavorável, compreendida à luz dos fundamentos do princípio da legalidade penal.
5. Tal conclusão resultou de duas ideias essenciais. Em primeiro lugar, as garantias inerentes à proibição da retroatividade desfavorável destinam-se a proteger o indivíduo contra o abuso de poder, sendo plenamente invocáveis sempre que o Estado se proponha mitigar, através da ampliação retroativa do elenco das causas de suspensão da prescrição, os efeitos da sua inércia na administração da justiça. Em segundo lugar, visa garantir ao destinatário da norma uma previsibilidade razoável das consequências com que se deparará ao violar o preceito penal, previsibilidade essa que, em regra, é afetada quando se modificam as condições em que uma infração praticada pode ser sancionada.
6. O Tribunal entendeu, porém, que a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, pela sua singularidade, escapa totalmente a ambas as razões com base nas quais se justifica a aplicação da proibição da retroatividade às normas sobre prescrição.
Assim é porque se trata de uma medida transitória, destinada a vigorar apenas e só durante o período em que se mantivesse o condicionamento à atividade dos tribunais determinado pela situação excecional de emergência sanitária, condicionamento este indispensável para que o Estado pudesse cumprir o seu dever proteção da vida e da integridade física de todos os cidadãos intervenientes no sistema de administração da justiça, incluindo dos próprios arguidos. Estas considerações valem, por maioria de razão, para os procedimentos pendentes de natureza contraordenacional, domínio em que, como decorre de jurisprudência firme, as exigências decorrentes do princípio da legalidade penal não se impõem com o mesmo grau de intensidade.