Comunicado - Acórdão n.º 5/2023
Acórdão nº 5/2023
Processo n.º 5/2023
O Plenário do Tribunal Constitucional decidiu hoje, por maioria, pronunciar-se pela inconstitucionalidade de algumas das normas do Decreto n.º 23/XV da Assembleia da República, cuja fiscalização o Presidente da República lhe havia solicitado.
Na sequência da pronúncia pela inconstitucionalidade constante do Acórdão n.º 123/2021, a Assembleia da República aprovou uma nova versão da lei relativa à morte medicamente assistida não punível. A expectativa do Tribunal era a de que nela tivessem sido introduzidas as modificações insinuadas naquele aresto.
Comprovou o Tribunal que o legislador, tendo embora desenvolvido esforços no sentido da densificação e clarificação de alguns conceitos utilizados na versão anteriormente fiscalizada, optou por ir mais além, alterando em aspetos essenciais o projeto anterior. Ao fazê-lo, a Assembleia da República limitou-se a exercer as competências que a Constituição lhe atribui. Todavia, tal opção teve consequências, pois implicou que o Tribunal, chamado a pronunciar-se e aplicando a Lei Fundamental, houvesse de proceder a uma nova fiscalização, incidindo sobre as normas alteradas que foram objeto do pedido do Presidente da República.
Ao proceder a tal fiscalização, o Tribunal concluiu que, tendo o legislador decidido caracterizar a tipologia de sofrimento através da enumeração de três características («físico, psicológico e espiritual») ligados pela conjunção “e”, são plausíveis e sustentáveis duas interpretações antagónicas deste pressuposto. Assim fazendo, o legislador fez nascer a dúvida, que lhe cabe clarificar, sobre se a exigência é cumulativa (sofrimento físico, mais sofrimento psicológico, mais sofrimento espiritual) ou alternativa (tanto o sofrimento físico, como o psicológico, como o espiritual).
Ou seja: o segmento em análise (“sofrimento físico, psicológico e espiritual”) consente que dele se extraiam legitimamente alternativas interpretativas possíveis e plausíveis que conduzem a resultados práticos antagónicos: i) reservar o acesso à morte medicamente assistida apenas a pessoas que, em virtude de lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, relatem um sofrimento de grande intensidade que corresponda cumulativamente às tipologias de sofrimento físico, psicológico e espiritual; ou ii) garantir o acesso à morte medicamente assistida a todas as pessoas que, em consequência de uma das mencionadas situações clínicas, sofram intensamente, seja qual for a tipologia do sofrimento. Em termos práticos, e a título meramente exemplificativo, está em causa saber se um doente a quem tenha sido diagnosticado um cancro com um prognóstico de esperança de vida muito limitada, ou um doente que padeça de esclerose lateral amiotrófica que não tenham sofrimento físico (vulgarmente entendido como dor) têm ou não acesso à morte medicamente assistida não punível.
Em suma, foi criada, desta forma, uma intolerável indefinição quanto ao exato âmbito de aplicação da nova lei. Recorde-se que considerou o Tribunal que o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias e que as condições em que é legalmente admissível a morte medicamente assistida têm de ser «claras, antecipáveis e controláveis» (Acórdão n.º 123/2021), cabendo ao legislador defini-las de modo seguro para todos os intervenientes.
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