Joaquim de Sousa Ribeiro
Por ocasião da Apresentação dos "Estudos em Memória do Conselheiro Artur Maurício"
28 de janeiro de 2015
Tribunal Constitucional
Cumprimento afetuosamente o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Conselheiro Vítor Gomes, aqui em representação do Senhor Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, e a Senhora Procuradora-Geral da República. O preito à memória do Homenageado que aqui os traz conjuga-se bem com a cortesia institucional e a estima pessoal, que são a marca autêntica do nosso relacionamento.
Cumprimento também, com muita simpatia, a Presidente emérita do Tribunal Constitucional de Espanha, Maria Emília Casas Baamonde, que se deslocou propositadamente para este efeito, o que comprova os laços estreitos de amizade que estabeleceu com o Conselheiro Artur Maurício, no quadro das excelentes relações entre os nossos dois tribunais.
Saúdo também os Presidentes eméritos do Supremo Tribunal de Justiça, Conselheiro Noronha do Nascimento, e do Tribunal Constitucional, Conselheiro Rui Moura Ramos, a Senhora Vice-Presidente e todos os Colegas Juízes, sem distinguir os da atual composição e os do passado, a Senhora Presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, todos os Autores que participaram na obra, os Senhores Assessores, Funcionários e todos os demais presentes.
É difícil uma cerimónia desta natureza poder reunir tantas personalidades com a qualidade pessoal e o peso institucional das que hoje aqui compareceram. A presença de V. Excias atesta bem que o respeito e a admiração pelo Conselheiro Artur Maurício ultrapassam os muros deste Tribunal, estendem-se aos titulares cimeiros do poder judicial e aos cultores de diversificadas áreas do Direito, e não sofreram o desgaste do tempo, que tudo tende a apagar no buraco negro do esquecimento. O Tribunal está grato pela vossa presença, que nos conforta quanto ao bem fundado desta iniciativa e dá brilho a este ato da sua concretização final, numa cerimónia que se pretende simples, mas tem um profundo significado.
E tem-no porque o Tribunal Constitucional cultiva a sua memória e orgulha-se do seu passado, nele encontrando uma poderosa motivação para uma resposta condigna aos desafios do presente. E esse passado tem protagonistas. Entre os mais ilustres está seguramente Artur Maurício, que exerceu funções de Presidente, entre outubro de 2004 e abril de 2007, depois de se ter destacado como jurista e como juiz.
Do seu mérito como jurista falam os textos de qualidade que nos deixou, em resultado de uma investigação e de uma reflexão para as quais certamente não terá sido fácil encontrar tempo e disponibilidade, em face do labor absorvente na magistratura. Logo em 1976, publicou, em coautoria, uma obra sobre "A Constituição e o Processo Penal". Hoje os princípios orientadores da constituição penal e as diretrizes e regras que deles fluem estão bem consolidados, fruto de uma jurisprudência de décadas e de um consequente pensamento doutrinário. Mas à época, nos alvores do Estado democrático de direito, era um mundo novo a despontar, um terreno, em grande medida, por lavrar. Artur Maurício deu, com aquele trabalho, um importante contributo, nessa tarefa que então se iniciava.
Essa primeira obra teve continuidade em vários outros escritos, na área do direito administrativo, e, por último, num artigo sobre "A garantia constitucional da autonomia local à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional", publicado nos "Estudos em Homenagem" ao seu antecessor, o Conselheiro Cardoso da Costa, que, infelizmente, por razões de saúde, não pôde hoje estar aqui presente.
Esta variada produção doutrinária acompanha, de certa forma, a trajetória do percurso do Conselheiro Artur Maurício como magistrado. De facto, tendo anteriormente exercido cargos de Delegado do Procurador da República, em 1978 optou pela carreira do Ministério Público, vindo depois a ser nomeado Juiz do Supremo Tribunal Administrativo e, mais tarde, do Supremo Tribunal de Justiça. Em todos estes cargos, o Conselheiro Artur Maurício revelou, não apenas um apurado saber técnico-jurídico, como também uma vasta cultura, desenvolvendo uma carreira brilhante, em que pôde exprimir, com evidência, uma singular vocação para o exercício de funções jurisdicionais. E de tal modo que foi, com naturalidade, eleito pela Assembleia da República, em 1998, juiz do Tribunal Constitucional.
O traço que deixou nestas funções de juiz constitucional está presente nos Acórdãos que relatou, mas também no eco que a sua opinião, sobretudo em questões espinhosas de processo constitucional, encontrou junto dos seus pares. Sempre maduramente refletida e equilibradamente abrangente de todos os fatores de ponderação, essa opinião foi seguramente ouvida e tida em conta. Só isso explica que, anos volvidos, e não raras vezes, ela me tenha sido transmitida, ao debater aquelas questões com Colegas comparticipantes de colégios que o Conselheiro Artur Maurício também integrou.
O desaparecimento prematuro e imprevisto, em pleno exercício de funções, do Presidente Nunes de Almeida, abriu uma vacatura no cargo, para que veio a ser eleito o nosso Homenageado. Só o prestígio alcançado junto dos seus pares explica essa fácil e consensual eleição, que recaiu, pela primeira e única vez, até ao presente, sobre um magistrado de carreira. Sucedendo a uma personalidade também marcante, Artur Maurício desempenhou com elevação e de forma unanimemente considerada dignificante para o Tribunal as tão exigentes funções de seu Presidente, acrescentando o seu nome, com fulgor, à galeria ilustre de presidentes que o tinham antecedido.
Pelo que disse, estou seguro que justifiquei, ex abundantia, a justiça da homenagem concretizada no livro que agora se apresenta. E o Tribunal Constitucional não pode deixar de exprimir júbilo pelo resultado da iniciativa que tomou. Estranharão alguns, porventura, a cor menos usual da capa do volume. Mas posso asseverar, por experiência própria, e para o dizer com o célebre anúncio pessoano, que ela "primeiro estranha-se, depois entranha-se".
Mas, evidentemente, não é a impressão estética que o corpus material de uma obra causa, por agradável que seja, que lhe vai assegurar perenidade e a atenção dos potenciais destinatários. É antes, como bem se sabe, a qualidade do conteúdo.
Também quanto a isso, encontra o Tribunal fartos motivos de satisfação. Logo um primeiro contacto dá para percecionar a enorme variedade dos temas tratados, por autores credenciados, com abordagens muito diversas, umas de cunho mais teorético, outras de análise de direito positivo, sem esquecer duas oportunas rememorações históricas e penetrantes reflexões sobre modelos institucionais e a independência dos juízes, percorrendo, nas 1409 densas páginas por que a obra se estende, não apenas o direito constitucional, mas também todos os outros principais ramos do Direito. Por muito circunscrita que seja a área de investigação de qualquer estudioso, ele encontrará aqui, seguramente, tratamentos temáticos que lhe proporcionarão matéria de reflexão e de fonte do diálogo intertextual em que se traduz o cultivo da ciência jurídica.
Só com a concretização desta sólida expectativa se alcançará, em pleno, a intenção última desta realização. Ela sairia, em grande medida, frustrada, se este livro estivesse destinado a permanecer no sossego imperturbado das estantes ou nos esconsos sombrios de qualquer armazém. Assim não será, convictamente o creio. E cada consulta interessada, cada citação bibliográfica, cada referência no debate jurídico serão outros tantos atos que avivarão a memória do Conselheiro Artur Maurício. E é esta a melhor homenagem que o Tribunal Constitucional lhe pode prestar.
Homenagem que só foi possível com a contribuição inestimável de todos os Autores, a quem por igual agradeço. A oferta de um exemplar, pelo Tribunal, mais não é do que um sinal desse reconhecimento. E é digno de nota e reconfortante verificar que, entre esses autores, figuram muitos juristas que, em dado momento do seu percurso profissional, aqui desempenharam funções como assessores, seguiram depois as suas carreiras noutras instituições, mas não esqueceram essa ligação do passado, como fizeram questão em demonstrar com a sua colaboração.
Mas entre os nomes dos Autores não consta o de Miguel Galvão Telles. Não que ele o não quisesse. Pelo contrário, foi dos primeiros a aderir a esta ideia e a manifestar a intenção de participar. Não o deixou fazê-lo a doença que o levou. Sei quanto isso o mortificou, e por isso não quis deixar de lembrar aqui o jurista de eleição e bom amigo de Artur Maurício que foi Miguel Galvão Telles.
Para o êxito da iniciativa desta publicação muito contribuiu também a forma empenhada como a Senhora Conselheira Maria João Antunes, mandatada pelo Plenário para o efeito, levou a cabo a tarefa de lhe dar corpo, com a dedicada cooperação da Dr.ª Marta Cavaleira, assessora do meu gabinete. Desde o primeiro momento, senti que a Senhora Conselheira assumiu essa tarefa como uma gratificante atividade em que pessoalmente e com entusiasmo se envolveu. Merece bem, Senhora Conselheira, o lugar que ocupa nesta mesa, e, sobretudo, merece bem a satisfação que, sem dúvida, neste momento sente!
Quero também deixar aqui uma palavra de agradecimento à Coimbra Editora, na pessoa do Dr. João Salgado, que prontamente se dispôs a assumir a publicação desta obra, dentro de uma linha editorial, que a distingue, de publicar textos de grande interesse doutrinário, patrocinados por instituições credíveis.
Não há melhor forma de finalizar a minha intervenção nesta cerimónia de apresentação dos "Estudos em Memória do Conselheiro Artur Maurício" do que a de depositar nas mãos da Senhora Dr.ª Margarida Silva Leal um exemplar. É o que farei, e peço-lhes que vejam neste gesto a expressão simbólica do sentido respeito e da viva e perene admiração de todo o Tribunal pela figura de alguém que a ele tão dignamente presidiu.
Lisboa, Palácio Ratton, 28 de janeiro de 2015