José João Abrantes
Tomada de Posse da Presidente da Entidade de Contas e Financiamentos Políticos
18 de outubro de 2023
Tribunal Constitucional
Senhor Vice-Presidente e Senhores Conselheiros do Tribunal Constitucional
Senhores Procuradores-Gerais Adjuntos
Senhores Deputados e Senhores Representantes dos Partidos Políticos
Senhor Presidente da Comissão Nacional de Eleições
Senhor Vogal da Entidade para a Transparência
Senhores Assessores e Funcionários do Tribunal Constitucional e da Entidade das Contas e dos Financiamentos Políticos
Minhas Senhoras e Meus Senhores
As minhas primeiras palavras são, naturalmente, para V. Exa., Senhora Presidente, para lhe agradecer o ter aceitado o convite para presidir à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e a sua contribuição empenhada assim oferecida ao Estado de direito democrático, bem como para lhe desejar as maiores felicidades para o desempenho dessas funções, de que acabou de tomar posse.
Quero igualmente exprimir a minha gratidão à Senhora Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros, pela lealdade, competência, dedicação e entrega com que sempre exerceu as suas funções. Estendo ainda os meus agradecimentos aos dois vogais que continuam, Dra. Lígia F. Costa e Dr. Pedro Roque, por todo o trabalho já efetuado e pela disponibilidade para a continuidade desta sua missão.
I
O controlo das contas e financiamentos políticos é uma exigência do Estado de Direito Democrático que passa, necessariamente, pela afirmação dos partidos políticos como instituições democráticas, transparentes e credíveis, e pela instituição de um regime que os sujeita, por um lado, a limites razoáveis de financiamentos e gastos e, por outro, à fiscalização e julgamento das suas contas em moldes de garantir o maior rigor e transparência.
A leitura que o Tribunal Constitucional tem vindo expressamente a fazer no que toca a esse controlo das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais tem na sua base a compreensão da especificidade dos partidos políticos no quadro do Estado de direito democrático, consagrado na Lei Fundamental como “um Estado que assenta na vontade ou soberania popular”, sendo os partidos políticos, “a expressão organizada dessa vontade, rectius, a manifestação organizada das diferentes vontades existentes na sociedade civil (artigos 10.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1)”.
Sendo elementos estruturantes da própria organização política do Estado («associações privadas com funções constitucionais»), os fins por eles prosseguidos justificam exigências impostas pela Constituição e pela lei, “sujeitando-os, no plano da sua estruturação orgânico-funcional e da sua ação política, aos mesmos princípios de transparência, independência, igualdade e democraticidade que devem moldar o poder político que pretendem alcançar e exercer (artigos 10.º, n.º 2, e 51.º, n.ºs 4, 5 e 6, da Constituição)” (palavras do Acórdão n.º 421/2020).
No que concretamente respeita ao seu financiamento, impõe-se, desde logo, garantir que o processo de representação democrática “não sofra entorses suscetíveis de comprometer a sua genuinidade, senão mesmo o próprio princípio do Estado de Direito Democrático" (cf., neste sentido, o Acórdão n.º 146/2007).
Até porque, hoje, um dos maiores riscos para a democracia é a possibilidade de um divórcio entre os cidadãos e a chamada “classe política”, impondo-se, pois, tudo fazer para fortalecer a credibilidade dos partidos e restabelecer a confiança que neles deve ser depositada pelos cidadãos, reduzindo as suas apreensões sobre a idoneidade das instituições que, numa sociedade plural e democrática, concorrem para a formação e expressão da sua vontade política.
O papel relevantíssimo da Entidade, cabendo-lhe fiscalizar as contas dos partidos e das campanhas eleitorais, é um instrumento indispensável à defesa da integridade das eleições e transparência da ação dos partidos políticos. É disso que se trata, da defesa da democracia e do Estado de direito.
II
Se a eficácia do regime está sobretudo condicionada pelo esforço, dedicação e proficiência técnica dos membros da Entidade, ela passa também pela conduta dos próprios partidos políticos sobre quem a lei faz impender relevantes deveres de colaboração e de fornecimento de dados, principalmente em matéria de campanhas eleitorais.
Mais do que a força dissuasora das coimas previstas, o que determinará o seu cumprimento será sempre a vontade dos partidos de se envolverem lealmente na construção de uma sociedade com os valores éticos que os cidadãos reclamam.
Em tempos difíceis como os que atravessamos, serão certamente os partidos os primeiros a, no cumprimento dos seus deveres legais, colaborar com a Entidade, para que possam ser atingidos os objetivos que lhe incumbem, de atingir um patamar de elevada qualidade eleitoral democrática, no que aos aspetos financeiros respeita. É sabido que os partidos têm trabalhado internamente para ultrapassar muitos dos problemas que ainda enfrentam nalgumas das suas estruturas regionais e locais ou noutras formas de expressão política menos formalizadas, onde a tradução financeira das ações políticas se revela difícil. A confiança na vida democrática faz-me acreditar que os partidos políticos continuarão, certamente, a assumir a responsabilidade deste compromisso.
III
A nomeação para o cargo em que foi empossada, Senhora Presidente, foi decidida, de acordo com a lei, pelo coletivo dos juízes deste Tribunal sob minha proposta, tendo a escolha de V. Exa. assentado no seu brilhante currículo enquanto magistrada judicial, especialista em direito e processo penal, como tal várias vezes reconhecida pelo Conselho Superior da Magistratura, e na garantia da sua idoneidade técnica e moral.
Sei quão difícil e exigente é a tarefa que a espera. Não lhe antecipo, nem V. Exa. o desejaria, tenho a certeza, uma vida fácil nas funções que passa a exercer, as quais requerem uma dedicação diária e permanente. A missão que a espera consiste afinal em concorrer para a definição e aplicação de um modelo de controlo da atividade financeira de entes que são conaturais ao desenvolvimento de um sistema democrático - o que basta para sublinhar a sua delicadeza mas também a essencialidade de que se reveste para o bom funcionamento dessa mesma democracia.
Mas estou certo de que V. Exa., com dedicação e sentido de responsabilidade, levará a bom termo essa tarefa. As provas que já deu no exercício anterior de funções públicas, algumas das quais de particular relevo, constituem garantia bastante dos elevados patamares de isenção, seriedade, independência e dedicação à res publica por que se norteia, honrando assim a confiança em si depositada e contribuindo para o aperfeiçoamento do Estado democrático inscrito na Constituição.