Rui Manuel Moura Ramos
Tomada de Posse da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos
16 de fevereiro de 2009
Tribunal Constitucional
Senhora Presidente e Senhores Vogais da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos
Senhores Conselheiros
Senhores Procuradores
Senhores Assessores e Funcionários do Tribunal Constitucional
Senhoras e Senhores Convidados
Quatro anos decorridos após a instalação e a entrada em funções da primeira composição da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e chegada a altura de proceder à recomposição deste órgão é possível realizar um primeiro balanço da sua actividade.
Recordaremos brevemente a intenção que esteve na base da sua criação – permitir levar a cabo um controlo mais intenso e efectivo das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. Um controlo que a Lei nº 19/2003 viera concentrar no Tribunal Constitucional, atribuindo a este órgão de soberania também a fiscalização das contas das campanhas eleitorais que até então fora confiada à Comissão Nacional de Eleições.
A preocupação do legislador foi pois a de, em obediência a um princípio de transparência que a partir de 1997 obtivera consagração constitucional, sediar numa única instituição o controlo global da actividade financeira dos partidos políticos e dos demais entes que se apresentam ao sufrágio popular. E atente-se em que a partir daquela mesma altura passara também a constituir imperativo constitucional inter alia o estabelecimento por lei das exigências de publicidade do património e das contas daquelas forças políticas.
E foi o controlo desse sistema de financiamento político que o legislador cometeu ao Tribunal Constitucional, para o que viria a criar, junto deste tribunal e para o coadjuvar tecnicamente na apreciação e fiscalização das contas, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
Teve assim este órgão que lançar as bases de um sistema de controlo e de o pôr em prática em circunstâncias, recordemo-lo, algo adversas, pois que o início das suas funções se deu em plena campanha para eleições legislativas e num ano em que outros actos eleitorais viriam ainda a ter lugar. Mau grado esta circunstância, puderam estabelecer-se princípios e regras de comportamento que deveriam presidir à actividade dos partidos nos anos seguintes.
Da actuação subsequente resultou um controlo mais efectivo do financiamento da vida política e por isso um mais adequado cumprimento do mandamento constitucional da transparência. Razão suficiente para que se não perca o capital que foi possível adquirir, em práticas e processos de controlo e avaliação que a experiência permitiu testar. E o essencial do sistema assim posto em movimento é preservado com a continuidade de dois dos Membros da anterior composição da Entidade.
Mas se se pôde instaurar um sistema de controlo em ordem a responder às novas metas que o legislador traçou, há que não esquecer que é muito extenso ainda o caminho a percorrer para a adequada execução dos objectivos delineados. E a este propósito deve mencionar-se que urge aproximar o exercício do controlo do momento da realização dos actos que dele são objecto. Na verdade, ainda que se possam considerar algo irrealistas os prazos em que a lei prevê o seu exercício, impõe-se a constatação de que a actividade de controlo não tem sido levada a cabo em tempo adequado, protelando-se excessivamente. O que, a acrescentar ao facto da relativa novidade do actual sistema e do alargamento do seu âmbito de aplicação, veio retardar por demais a leitura que o Tribunal Constitucional haveria de ser levado a fazer das suas regras. Desta forma, os destinatários dos novos comandos jurídicos vieram por demasiado tempo a ser privados da intervenção clarificadora do Tribunal quanto ao conteúdo dos direitos e obrigações que para eles decorrem das normas em vigor. Com as desvantagens daí decorrentes para a execução do sistema que se procurou instaurar e para a previsibilidade dos sujeitos de direito a quem este se dirige – os cidadãos, os partidos políticos e as demais forças que se apresentam ao sufrágio popular.
A aproximação do momento do controlo ao da prática dos actos que dele são objecto constitui assim um dos elementos do desafio que enfrenta, nesta nova composição, a Entidade das Contas. Desafio que, todavia, ultrapassa de longe esta dimensão, alargando-se à definição correcta do sentido da actividade que lhe compete levar a cabo. Para tal urge ter presente que o controlo da actividade financeira dos partidos políticos e das campanhas eleitorais constitui uma exigência do modelo de Estado de Direito cuja plena realização a Constituição Portuguesa intenciona. Não se trata pois de uma mera apreciação contabilística (ainda que suponha o cumprimento de regras dessa natureza) mas da garantia de uma plena responsabilização e accountability por parte de autores de particular relevo no nosso sistema politico-constitucional. Na verdade, e sem que por isso deixem de estar sujeitos a específicas obrigações, por vezes mais gravosas do que as que oneram os comuns sujeitos de direito e designadamente os agentes económicos, os partidos políticos constituem, na expressão constitucional, formas de organização e expressão da vontade popular. E se, como já se escreveu, o seu reconhecimento jurídico-constitucional é uma dimensão constitutiva da própria ordem constitucional democrática, impõe-se a conclusão de que o controlo da aplicação das regras relativas ao financiamento partidário constitui um corolário do próprio princípio democrático, o que lhe empresta uma especial natureza. Natureza que o legislador não terá deixado de ter em conta ao atribuir aquela função a este Tribunal e não a outros órgãos de fiscalização da legalidade e de julgamento das contas. E que não poderá também por isso deixar de ser repercutida na actuação do próprio sistema de controlo.
A composição que a Entidade das Contas passa a ter a partir de agora possibilita-lhe reflectir uma sensibilidade aos particularismos específicos desta situação, assim proporcionando uma mais adequada aproximação deste órgão ao perfil que, a partir do texto constitucional, para ele parece decorrer. Na verdade, a problemática do controlo do financiamento dos partidos políticos e dos demais entes que com eles concorrem ao sufrágio popular constitui uma questão jurídico-constitucional por excelência, de cuja correcta definição e execução depende em boa medida a confiança que os cidadãos possam depositar no sistema politico e por essa via a plena realização do Estado de Direito.
A tarefa que espera a nova composição da Entidade das Contas participa assim da nobreza que é conatural à execução da Constituição. Responsável último por ela é assim grato ao Tribunal Constitucional registar a disponibilidade com que os Membros da Entidade ora empossados assumem a missão de serviço público que o exercício das suas funções encerra. Disponibilidade cuja renovação agradecemos aos vogais que transitam da anterior composição. E à Senhora Presidente que agora assume funções pela primeira vez, e cuja formação e percurso anterior constituem para nós garantia segura de identificação e sintonia com um modelo de fiscalização do financiamento político que compreenda o lugar que a esta função corresponde no nosso sistema constitucional.
Senhora Presidente e Senhores Vogais da Entidade das Contas
Não é decerto fácil a missão que vos espera, uma vez que ela consiste afinal em concorrer para a definição e aplicação de um modelo de controlo da actividade financeira de entes particulares, frutos do exercício de liberdades públicas e conaturais ao desenvolvimento de um sistema democrático como o nosso. O que é bastante para sublinhar a sua delicadeza mas também a essencialidade de que se reveste para o bom funcionamento da nossa arquitectura institucional.
Mas as provas por vós já dadas no exercício anterior de funções públicas, algumas das quais de particular relevo, constituem para nós garantia bastante de que não deixarão de se nortear por elevados patamares de isenção, seriedade, independência e dedicação à res publica. E que, dessa forma, e honrando a confiança em vós depositada, contribuirão para o aperfeiçoamento da construção do Estado de direito inscrito no projecto constitucional português.
Resta-me desejar-lhes as maiores felicidades na realização dessa tarefa e agradecer o empenho e a contribuição assim oferecidos à realização de uma das funções cometidas ao Tribunal Constitucional.