Rui Manuel Moura Ramos
Por ocasião da primeira visita de Estado a Portugal do Presidente da República de Cabo Verde
12 de junho de 2012
Tribunal Constitucional
Senhor Presidente da República de Cabo Verde
Permita-me V. Exª. que lhe dirija uma saudação de boas-vindas, que sublinhe brevemente o sentido que atribuímos a esta visita e que manifeste a honra que o Tribunal Constitucional Português tem em receber nesta ocasião o representante de todos os cabo-verdianos, Presidente eleito da Nação irmã.
A minha primeira palavra é pois para, em nome do Tribunal Constitucional de Portugal, cumprimentar respeitosamente V. Exª. nesta sua primeira visita oficial ao nosso país. Ao fazê-lo, estamos conscientes de saudar o Chefe de Estado de um país irmão, com quem partilhamos, no espaço da lusofonia, quer uma assinalável sintonia quanto aos valores que devem impregnar a realização do Estado de Direito quer um projecto comum de afirmação na cena internacional – hoje institucionalizado na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Mas, para além do Estado, V. Exª. representa igualmente o povo desse país irmão, com quem percorremos na história uma longa caminhada.
Caminhada conjunta sem a qual porventura nós portugueses não nos reconheceríamos no que somos hoje e que nos força assim a não esquecer o que, para a nossa presente identidade como Nação, devemos a tantos de entre os vossos – de Amílcar Cabral a Baltazar Lopes, a Cesária Évora e a muitos outros.
É pois também esse povo irmão a quem nos ligam tantos laços e afectos que na pessoa de V. Exª. queremos igualmente saudar.
Pretendeu V. Exª. que esta sua primeira visita oficial a Portugal incluísse uma passagem por este Tribunal, a quem cumpre, nos termos da nossa Constituição “administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional”.
Vemos nesta intenção a preocupação de reafirmar algo que temos igualmente hoje por adquirido no processo de maturação que o Estado de Direito assumiu, nos quadros civilizacionais e jurídico-internacionais em que nos movemos. Que o Estado de Direito dos nossos dias é um Estado em que a validade das regras e das decisões deve ser aferida pela sua conformidade a uma norma suprema – a Constituição – e que o juízo sobre a verificação de uma tal conformidade, revestindo-se de uma natureza particular e sendo essencial para que o Estado de Direito, se possa assumir hoje, como verdadeiro Estado Constitucional, há-de competir em última e decisiva instância a um Tribunal sim, mas a um Tribunal distinto daqueles que se encontram integrados nas várias ordens de jurisdição.
Sabemos bem que é esta matriz de base que, no sistema constitucional Cabo-verdiano como no Português, e de resto na generalidade dos ordenamentos constitucionais da actualidade, vertebra organicamente a realização do controlo da constitucionalidade das leis. E conhecemos o compromisso de V. Exª. com esta ideia, que o levou a inserir nas linhas de força do seu programa eleitoral a instalação do Tribunal Constitucional cuja previsão se encontra já presentemente na Constituição Cabo-verdiana.
Mas registamos que V. Exª. tenha pretendido marcar com esta visita a sua adesão ao modelo de realização da justiça constitucional que entre nós se encontra institucionalizado e a que a jurisdição que integramos dá corpo. É certo que já tínhamos para nós que este modelo se impunha por si, pelos seus méritos, mas não é menos verdade que nos conforta sobremaneira que ele continue a ter potencialidades para que a sua concretização mobilize as energias de outros, sobretudo quando se trata de alguns daqueles que pela história, pelo sentimento e pela situação presente se encontram mais próximos de nós.
Senhor Presidente
O Tribunal Constitucional Português, como V. Exª. não ignora, tem desenvolvido frutuosas relações de cooperação com a Jurisdição Constitucional Cabo-verdeana. Esse relacionamento ultrapassa hoje largamente o mero campo bilateral, tendo como cenário privilegiado a Conferência das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua Portuguesa que, depois de se ter reunido pela primeira vez nesta casa, acaba de realizar com assinalável êxito a sua IIª Assembleia, em Maputo, há menos de um mês.
Trata-se de um forum de estreitamento de relações entre os Órgãos com Jurisdição Constitucional nos países de língua portuguesa que visa essencialmente a promoção dos direitos humanos, a defesa da democracia e da independência judicial. No seu seio puderam até hoje ser discutidas questões da maior importância, como o estatuto das jurisdições constitucionais nos nossos vários países, o acesso dos particulares à jurisdição constitucional e as competências destas jurisdições em matéria eleitoral, temas que mobilizam parte mais ou menos significativa da sua atenção em cada um dos nossos países.
É assim já longo o caminho que, em conjunto ou no âmbito mais vasto da Conferência que ambas integramos, as jurisdições constitucionais dos nossos dois países têm percorrido, consolidando e intensificando os mecanismos de cooperação existentes e realizando uma profícua troca de experiências na delicada mas essencial tarefa de que se encontram incumbidas - a do controlo da constitucionalidade das leis. Mas é esse caminho que os nossos tribunais pretendem continuar a trilhar, certos de que só o aperfeiçoamento dos termos em que realizam a sua difícil missão lhes permitirá obter a confiança dos seus concidadãos e o respeito das comunidades jurídicas dos nossos países.
Neste contexto, e dada a nota da interdependência que também caracteriza a relação entre os órgãos de soberania, a visita de V. Exª. não deixa de denotar uma profunda sensibilidade a esta problemática essencial na realização do Estado de Direito. O Tribunal Constitucional Português sempre estaria muito honrado por receber V. Exª. e nunca deixaria de o manifestar. Mas a essa honra acresce hoje o agradecimento, que igualmente queremos expressar, por aquilo que não podemos deixar de ver como o reconhecimento da importância da função que cabe a este Tribunal na arquitectura jurídico-política de Estado de Direito e o incentivo a que saibamos estar à altura da sua realização.
Disse.