Rui Manuel Moura Ramos
Por ocasião da Jubilação do Prof. Doutor Jorge Miranda
14 de abril de 2011
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Senhor Reitor da Universidade de Lisboa, Prof. António Sampaio
da Nóvoa
Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Ministro
César Peluso
Senhores Director e Presidente do Conselho Cientifico da Faculdade de
Direito de Lisboa, Professores Eduardo Vera Cruz Pinto e Pedro Romano
Martinez
Senhores Professores
Senhores Estudantes
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Encontramo-nos aqui reunidos por ocasião da jubilação do Prof. Jorge Miranda a quem a sua Faculdade e a sua Universidade prestam uma justa homenagem a que se associam diversas instituições.
O Professor Jorge Miranda atinge o limite de idade após o qual o exercício de funções públicas, no caso de carácter docente, deixa de ser fazer de forma plena. E é esta a primeira razão que nos congrega aqui hoje: homenagear um exemplar servidor da coisa pública, alguém que, como poucos, serviu a res publica.
Como já aqui foi recordado, Jorge Miranda foi sobretudo um professor. Um professor que viveu para sua Faculdade, onde leccionou durante quatro décadas, para o seu Grupo de Ciências Políticas, que dirigiu durante largos anos e a cujo desenvolvimento imprimiu a sua marca. Acresce que Jorge Miranda não confinou o seu magistério a esta Faculdade, deixando, em Portugal, o seu nome também indelevelmente ligado à Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e, inicialmente, à sua Faculdade de Ciências Humanas, à Escola de Direito da Universidade do Minho e à Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Por outro lado, foram múltiplas as Faculdades de Direito, em particular no espaço da língua portuguesa, onde Jorge Miranda proferiu cursos ou conferências, tendo vindo a ser distinguido por algumas delas com o título de doutor honoris causa.
Professor que foi, exerceu o seu magistério leccionando diversas disciplinas, com particular relevo para o domínio do direito público, maxime o direito internacional público e o direito constitucional. Foi esta última matéria, no entanto, a que tratou mais intensamente, a ela dedicando desde logo as dissertações apresentadas ao curso complementar de Ciências Político-Económicas (Contributo para uma Teoria da Inconstitucionalidade) e às provas de doutoramento (A Constituição de 1976. Formação, estrutura, princípios fundamentais).
Para além disso, Jorge Miranda assumiu responsabilidades cívicas e políticas desde os primeiros momentos da instauração do regime democrático, tendo sido deputado à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República, membro da Comissão Constitucional e de diversas comissões de reforma legislativa.
Foi o universitário e o cidadão empenhado que assumiu a sua condição de jurista do espaço da lusofonia, tendo acompanhado activamente os processos de desenvolvimento constitucional em diversos países de língua portuguesa. E que contribuiu relevantemente para o prestígio e afirmação da ciência jurídica portuguesa além fronteiras, escrevendo em prestigiadas revistas universitárias e integrando grupos de reflexão académica de referência no plano internacional.
No entanto, a actividade desenvolvida por Jorge Miranda é indiscutivelmente marcada pela atenção votada à polis e ao seu estatuto jurídico, consagrado na Constituição. É à Constituição e à defesa da sua força normativa que vota os seus primeiros trabalhos, é a Constituição Portuguesa de 1976 que constitui o objecto por referência da sua reflexão, na sua obra cientifica como no comentário doutrinal, é também a Constituição que parece ser o referente fundamental da sua intervenção politica. São igualmente a Constituição e o constitucionalismo que constituem a razão de ser essencial da sua projecção como jurista no plano internacional.
Tudo isto porém, que é muito, e que marca indelevelmente um perfil de cidadão e de jurista, foi já recordado por outros a quem tal tarefa estava cometida. Mas nessa interligação do cidadão com o académico e com o cultor do direito constitucional há uma faceta que creio que aqui e agora não deve ser ignorada ou menosprezada e que é a da atenção dada à jurisdição constitucional e ao seu papel na sociedade e na realização do Estado de Direito. É a este propósito que gostaria de me deter um pouco, assim contribuindo para o esboço do perfil do nosso homenageado de hoje, e desta forma justificando a minha presença neste painel.
Jorge Miranda como é sabido, logo após a sua experiência como deputado constituinte em 1975-1976, integrou a Comissão Constitucional, desde a sua criação em 1976 até 1980, altura em que seria eleito deputado à Assembleia da República onde viria a ter intervenção relevante na primeira revisão constitucional, que marcou a afirmação do Estado-de-Direito em Portugal. Ao pertencer ao primeiro ensaio do órgão jurisdicional de controlo concentrado da constitucionalidade das leis (ainda que a sua competência se exercesse apenas em conjunto com o Conselho de Revolução, no que tange às declarações com força obrigatória geral) Jorge Miranda foi dos primeiros juízes constitucionais portugueses, no sentido Kelseniano da expressão.
É sabido que o nosso homenageado de hoje não integraria jamais o Tribunal Constitucional, surgido após e na sequência da Revisão Constitucional de 1982. Mas não deixaria de manter com esta instituição um profundo contacto ao longo dos vinte e oito anos de existência da jurisdição constitucional portuguesa.
É desse contacto, do jurista, do académico, do constitucionalista, que eu gostaria de dar testemunho aqui na medida em que ele é eloquente quanto a certas características de Jorge Miranda.
Como jurisconsulto, Jorge Miranda acompanha não poucas vezes, com pareceres jurídicos, os processos em curso no Tribunal Constitucional. E, como estudioso deste ramo do saber jurídico, frequenta assiduamente a nossa biblioteca. Mas para além deste comportamento, que partilha com muitos outros, Jorge Miranda segue atentamente a jurisprudência constitucional portuguesa, a que dedica sistematicamente crónicas anuais publicadas quer em revistas jurídicas nacionais (como O Direito e o Anuário Português de Direito Constitucional) quer em publicações estrangeiras, como o Annuaire International de Justice Constitutionnelle e no Anuário Iberoamericano de Justiça Constitucional. Preocupa-se com a sua irradiação extra-fronteiras, ao seleccionar e anotar as espécies mais representativas do nosso case-law constitucional para integrar o volume, recentemente publicado, dos Les grands arrêts de la jurisprudence constitutionnelle. E não esquece, no seu labor docente, a apresentação da nossa instituição aos seus alunos dos cursos de mestrado que todos os anos faz questão de trazer ao Palácio Ratton para melhor conhecerem o Tribunal Constitucional e a sua missão.
E essa atenção e acompanhamento não são um exclusivo da sua condição de jurista participante da comunidade de intérpretes da Constituição, atingindo inclusivamente a sua condição de cidadão, que o leva a não hesitar em comunicar publicamente o seu pensamento, aos órgãos de comunicação social, sobre as questões que aguardam decisão do Tribunal.
Por todas estas formas o Professor Jorge Miranda tem mantido até hoje um intenso diálogo com a jurisdição constitucional portuguesa. É esse diálogo, e o valor acrescentado que dele resulta, que não quereríamos deixar de registar neste momento de passagem que, estamos certos, deixará o nosso homenageado mais livre para o prosseguir.
E com este registo marcamos além do nosso apreço pessoal, a conta, em que o Tribunal Constitucional Português tem a actividade neste campo desenvolvida pelo Professor Jorge Miranda, a quem cumprimento afectuosamente.