Conferências da Justiça Constitucional da Ibero-América
III Conferência da Justiça Constitucional
da Ibero-América
Os orgãos de fiscalização
da Constitucionalidade: funções, competências, organização
e papel no Sistema Constitucional perante os demais poderes do Estado
Relatório do Tribunal Constitucional Português
Elaborado por António de Araújo e Joaquim Pedro Cardoso da Costa,
assessores do Gabinete do Presidente do Tribunal Constitucional
[Guatemala, novembro de 1999]
I
- INTRODUÇÃO
O presente relatório visa proceder
a uma exposição dos aspectos dinâmicos do sistema português de controlo da constitucionalidade. Mais do que descrever
a “anatomia” desse sistema, pretende-se apresentar os traços mais
significativos da sua “fisiologia”, privilegiando o enunciado de alguns
“problemas” suscitados pela concretização prática dos mecanismos de fiscalização judicial da constitucionalidade instituídos pela
Constituição da República Portuguesa (CRP) e pela Lei do Tribunal
Constitucional (LTC) (
[1]
).
No
entanto, a exposição da “dinâmica” do sistema pressupõe, como é evidente, o
conhecimento da sua “estática”, ou seja, das espécies e modalidades do controlo
da constitucionalidade existentes no direito português.
A
CRP prevê as seguintes modalidades de controlo judicial da constitucionalidade
e de certas formas de “ilegalidade qualificada”:
a) - O controlo preventivo (CRP, artigo 278º), que incide sobre normas constantes de convenções
internacionais que o Estado português vá subscrever ou de decretos a ser promulgados
como leis ou como decretos-lei e que é realizado por iniciativa do Presidente
da República ou, tratando-se de diplomas regionais, dos Ministros da República
para as regiões autónomas. No caso das leis orgânicas, a fiscalização
preventiva pelo Tribunal Constitucional pode ainda ser requerida, além do
Presidente da República, pelo Primeiro-Ministro ou por 1/5 dos Deputados à
Assembleia da República em efectividade de funções (CRP, artigo 278º, nº 4).
b) - O controlo abstracto
sucessivo (CRP, artigo 281º), que incide sobre
todas e quaisquer normas do ordenamento jurídico português e que pode ser
requerido pelo Presidente da República, pelo Presidente da Assembleia da
República, pelo Primeiro-Ministro, pelo Provedor de Justiça, pelo
Procurador-Geral da República e por 1/10 dos Deputados à Assembleia da
República. Quando estiverem em causa direitos das regiões autónomas, podem
também requerer a fiscalização abstracta sucessiva os Ministros da República,
as assembleias legislativas regionais, os respectivos presidentes ou 1/10 dos
seus deputados e, bem assim, os presidentes dos governos regionais.
c) - O controlo concreto que, nos termos da CRP e da LTC, prevê o recurso para o Tribunal Constitucional
das decisões dos tribunais:
–
que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em
inconstitucionalidade [CRP, artigo 280º, nº 1, alínea a);
LTC, artigo 70º, nº 1, alínea a)];
–
que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo [CRP, artigo 280º, nº 1, alínea b);
LTC, artigo 70º, nº 1, alínea b)];
–
que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento
na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado (
[2]
)
[CRP, artigo 280º, nº 2, alínea a);
LTC, artigo 70º, nº 1, alínea c)];
–
que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional com fundamento
na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral
da República (
[3]
)
[CRP, artigo 280º, nº 3, alínea b);
LTC, artigo 70º, nº 1, alínea d)];
–
que recusem a aplicação de norma
constante de diploma emanado de um órgão de soberania com fundamento na sua
ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma [CRP, artigo 280º,
nº 2, alínea c); LTC, artigo 70º, nº 1, alínea e)];
–
que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com
qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 280º da CRP [CRP, artigo 280º, nº 2, alínea d);
LTC, artigo 70º, nº 1, alínea f)];
–
que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento
na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em
desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal
Constitucional [LTC, artigo 70º, nº 1, alínea i)]
(
[4]
).
d) - O controlo da inconstitucionalidade
por omissão (CRP, artigo 283º) pode ser requerido pelo Presidente da Republica
e pelo Provedor de Justiça e, quando estiverem em causa os direitos de uma
região autónoma, pelo presidente da respectiva assembleia legislativa regional.
A Constituição, no artigo 222º,
define as regras gerais da composição do Tribunal Constitucional. O Tribunal Constitucional é composto por treze
juízes, dos quais dez juízes são eleitos pela Assembleia da República, por
maioria qualificada de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à
maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, e três juízes são
cooptados pelos primeiros, também por maioria qualificada (CRP, artigo 222º,
nº 1) (
[5]
).
Dos treze juízes, seis têm de ser
“obrigatoriamente escolhidos de entre juízes dos restantes tribunais” e os
restantes sete, de entre juristas (CRP, artigo 222º, nº 2).
O mandato dos juízes é de 9 anos e
não é renovável (CRP, artigo 222º, nº 3) (
[6]
).
O Presidente é eleito
por todos os juízes do Tribunal (CRP, artigo 222º, nº 4).
As regras constitucionais sobre a
composição do Tribunal Constitucional e o estatuto dos juízes são, depois,
pormenorizados na Lei Orgânica do Tribunal, em termos dos quais se destacam os
seguintes:
- Os candidatos a juízes têm de ser cidadãos portugueses
no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos que sejam doutores, mestres
ou licenciados em direito ou juízes dos outros tribunais (artigo 13º, nº 1,
LTC);
- Não existem quaisquer requisitos de idade mínima ou máxima ou qualquer tempo de
experiência profissional para o exercício de funções como juiz constitucional.
Ainda assim, há determinados “limites implícitos”: 1) um limite mínimo de
idade, que resulta da necessidade de possuir a licenciatura em Direito e/ou a
qualidade de “juiz dos outros tribunais”; 2) um limite máximo de idade, para os
juízes dos restantes tribunais, que resulta do facto de não poderem ser designados aqueles que, no momento da designação,
já tiverem atingido o limite de idade para o exercício da função (70 anos) (
[7]
);
- Os juízes do Tribunal Constitucional são independentes
e inamovíveis, não podendo as suas funções cessar antes do termo do mandato
para que foram designados, excepto nos casos previstos no artigo 23º LTC
(morte, impossibilidade física permanente, renúncia, aceitação de lugar ou
prática de acto legalmente incompatível com o exercício das suas funções,
demissão ou aposentação compulsiva, em consequência de processo disciplinar ou
criminal);
- Os juízes do Tribunal Constitucional não podem ser
responsabilizados pelas suas decisões, excepto nos termos e limites em que o
são os juízes dos tribunais judiciais (artigo 24º LTC);
- Os juízes do Tribunal Constitucional são
responsabilizados civil e criminalmente segundo as “normas que regulam a
efectivação da responsabilidade civil e criminal dos juízes do Supremo Tribunal
de Justiça”, valendo para eles, igualmente, “as normas relativas à
prisão preventiva” aos últimos aplicáveis (LTC, artigo 26º). O prosseguimento
do processo por crime cometido no exercício de funções depende, porém, de
deliberação da Assembleia da República (artigo 26º, nº 2);
- O exercício de funções como juiz do Tribunal
Constitucional é incompatível com o exercício de qualquer cargo ou função de
natureza pública ou privada e, em especial, é incompatível com o exercício de
funções em órgãos de soberania, das Regiões Autónomas ou do poder
local (LTC, artigo 27º, nº 1). Exceptua-se desta regra de incompatibilidade o
exercício de funções docentes ou de investigação científica de natureza
jurídica, desde que não remunerado (artigo 27º, nº 2, LTC);
- Os juízes do Tribunal Constitucional estão impedidos de exercer quaisquer
funções em órgãos de partidos, de associações políticas ou de funções com eles
conexas, e de desenvolver actividades político-partidárias de carácter público
(artigo 28º, nº 1, LTC). Durante o exercício do cargo, suspende-se o estatuto
decorrente da filiação em partidos ou associações políticas (artigo 28º, nº 2,
LTC);
- O período do mandato dos juízes conta-se da data de
tomada de posse perante o Presidente da República, e termina com a tomada de
posse do juiz designado para ocupar o respectivo lugar (artigo 21º, nº 1, LTC).
Entretanto, os juízes dos restantes tribunais que sejam designados para o Tribunal
Constitucional e que, durante o período de exercício, completem 70 anos
mantêm-se em funções até ao termo do mandato, como se dispõe no nº 3 do mesmo
artigo (
[8]
);
- O mandato do Presidente e do Vice-Presidente é de metade do mandato dos juízes
(ou seja, de 4 anos e meio), podendo haver recondução (artigo 37º, nº 1, LTC).
O Tribunal Constitucional reúne em
plenário e em secções (artigo 40º LTC).
O
Tribunal aprova o projecto do seu orçamento, a apresentar à Assembleia da República através do
Governo, e aprova o orçamento das suas receitas próprias (
[9]
) (artigo 47º-A LTC).
II
- O CONTROLO CONCRETO DA CONSTITUCIONALIDADE
1 - Legitimidade activa
1.1
- A legitimidade do Ministério Público e dos particulares
A
legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional, no âmbito do
controlo concreto de constitucionalidade, vem definida no artigo 72º da LTC,
cujo nº 1 determina o seguinte (
[10]
):
“1
- Podem recorrer para o Tribunal Constitucional:
a) O Ministério Público;
b) As pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi
proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso.
2
- ...
3
- ...
4
- ...”.
Existe,
pois, uma legitimidade própria do Ministério Público na defesa objectiva da
ordem constitucional (
[11]
)
e uma legitimidade dos particulares – pessoas singulares ou colectivas,
nacionais ou estrangeiras (
[12]
)
– que se afere pela lei reguladora do “processo-pretexto” (cível,
laboral, criminal, etc.) de que emerge o recurso de constitucionalidade.
À
primeira vista, portanto, o Ministério Público poderia intervir em todos os processos, ou seja, mesmo naqueles em que não dispusesse de interesse
processual, visto que o artigo 72º, nº 1 da LTC lhe confere uma legitimidade ex
officio genérica. No entanto, aquela norma tem de
articular-se com outros preceitos da LTC relativos aos pressupostos das várias
modalidades de recurso. Neste sentido, se o Ministério Público, sendo parte
principal da causa, pretender recorrer para o Tribunal Constitucional nos
termos do artigo 70º, nº 1, alínea b),
da LTC – recurso de decisões que apliquem norma arguida de
inconstitucional pelas partes – só pode fazê-lo se possuir interesse
processual (
[13]
).
E
quando o Ministério Público não é parte na causa? Poderá interpor recurso das
decisões de aplicação? O Tribunal considerou que, em jurisdição do trabalho, em
que o Ministério Público tem sempre intervenção acessória, não pode interpor,
como parte acessória, recurso de decisões de aplicação (
[14]
).
Como se afirmou recentemente no acórdão nº 57/99, “o artigo 72º, nº 2 da Lei do
Tribunal Constitucional só permite que o Ministério Público recorra (recurso
facultativo) no caso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º – caso em que se estabelece efectivamente um
recurso em defesa da Constituição – quando seja parte no processo e tenha
previamente suscitado nos autos a questão de inconstitucionalidade, em inteira
igualdade com as restantes partes”.
Foi
também à luz desta ideia que o Tribunal Constitucional considerou recentemente
que, não tendo tido intervenção no processo como recorrente ou recorrido, não
possui o Ministério Público legitimidade para interpor o recurso a que se
refere o artigo 79º-D da LTC (recurso para o plenário para uniformização de
jurisprudência) (
[15]
).
Deve
notar-se, por outro lado, que a CRP e o artigo 72º da LTC estabelecem a
obrigatoriedade do recurso pelo Ministério Público nos seguintes casos (
[16]
):
– quando uma decisão
judicial recusar, com fundamento em inconstitucionalidade ou ilegalidade, a
aplicação de norma constante de convenção internacional, de acto legislativo ou
de decreto regulamentar (CRP, artigo 280º, nº 3; LTC, artigo 72º, nº 3) (
[17]
);
– quando uma decisão
judicial aplicar norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo
próprio Tribunal Constitucional (CRP, artigo 280º, nº 3; LTC, artigo 72º, nº
3);
– quando uma decisão
judicial aplicar norma já anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão
Constitucional (LTC, artigo 72º, nº 3);
– quando uma decisão
judicial recusar a aplicação de norma constante de acto legislativo com
fundamento na sua contrariedade com convenção internacional, ou a aplicar em
desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal
Constitucional (LTC, artigo 72º, nº 3).
Nestes
casos, o recurso será sempre obrigatório para o Ministério Público? Não: o
artigo 72º, nº 4 da LTC afirma que o Ministério Público pode abster-se de
interpor recurso de decisões conformes com a orientação que se encontre já
estabelecida, a respeito da questão em causa, em jurisprudência constante do
Tribunal Constitucional.
Coloca-se
ainda uma questão curiosa nos recursos de decisões que apliquem norma já
anteriormente julgada inconstitucional (ou ilegal) pelo Tribunal
Constitucional. Nesses recursos, a que se refere o artigo 70º, nº 1, alínea g),
da LTC, o recurso é obrigatório para o Ministério Público. Imagine-se, no
entanto, que o Tribunal altera a sua jurisprudência e passa a considerar que a
norma em causa não é inconstitucional. Nesse caso, justifica-se manter a
obrigatoriedade do recurso para o Ministério Público? O Tribunal tem respondido
negativamente: nos casos em que a decisão recorrida haja aplicado norma já
anteriormente julgada inconstitucional e depois se venha a verificar alteração
da jurisprudência, por parte daquele, através das suas duas secções (
[18]
),
no sentido da não inconstitucionalidade, cessa a obrigatoriedade do recurso do
Ministério Público (
[19]
).
Finalmente,
importa chamar a atenção para o artigo 74º da LTC, que determina:
– que o recurso interposto pelo Ministério Público
aproveita a todos os que tiverem legitimidade para recorrer;
– que o recurso interposto por um interessado nos casos
previstos nas alíneas a), c), d), e), g), h) e i) do nº 1 do artigo
70º aproveita aos restantes interessados;
– que o recurso interposto
por um interessado nos casos previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º aproveita aos
restantes, nos termos e limites estabelecidos na lei reguladora do processo em
que a decisão tiver sido proferida;
– que não pode haver recurso
subordinado nem adesão ao recurso para o Tribunal Constitucional.
No
que respeita à legitimidade dos particulares, ela obedece, portanto, às regras
e aos princípios do “processo-pretexto” de que emerge a questão de
constitucionalidade, como vimos. Será interessante referir um caso em que o
Tribunal considerou não existir legitimidade à recorrente para impugnar a
constitucionalidade de uma norma do Código de Processo Civil que prevê a
comunicação à Ordem dos Advogados, para esta aplicar sanções aos mandatários,
quando se reconheça que estes tiveram responsabilidade pessoal e directa nos
actos pelos quais se revelou a má-fé na causa. O Tribunal considerou que
existia um conflito de interesses no processo: a recorrente tinha interesse na
aplicação dessa norma, pois ela faria diminuir a sua responsabilidade pelos
prejuízos causados pela demanda; o advogado, por seu turno, não possuía
qualquer interesse na aplicação dessa norma. Deste modo, o interesse processual
na impugnação da constitucionalidade pertencia ao próprio mandatário, não à
recorrente. O Tribunal considerou, assim, que o advogado não podia
prevalecer-se da posição processual da sua cliente para litigar em prejuízo
desta - e em seu proveito pessoal. Quanto à recorrente, não possuía,
evidentemente, qualquer interesse na invalidação da norma, não dispondo, pois,
de legitimidade processual (
[20]
).
1.2
- A suscitação da questão de inconstitucionalidade “durante o processo” como
condição de legitimidade
O
nº 2 do artigo 72º da LTC enuncia uma condição específica para ser parte legítima nos recursos de constitucionalidade a que se referem as
alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da mesma Lei: ter suscitado a questão de
constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
Por outras palavras, para possuir
legitimidade nos recursos de decisões que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo [LTC, artigo 70º,
nº 1, alínea b)] ou das decisões que apliquem
norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo [LTC, artigo 70º,
nº 1, alínea f)], é necessário suscitar a
questão de constitucionalidade ou de ilegalidade de modo processualmente
adequado perante o tribunal a quo.
Ou seja, mesmo que a parte disponha de legitimidade “de acordo com a lei
reguladora do processo em que a decisão foi proferida”, nos termos do artigo
72º, nº 1, alínea b), da LTC, só terá legitimidade no
recurso para o Tribunal Constitucional se tiver suscitado a questão de
constitucionalidade (
[21]
).
É possível, assim, que, de dois sujeitos que possuam legitimidade no
“processo-pretexto”, só um seja parte legítima no recurso para o Tribunal
Constitucional. Como, porém, o recurso interposto por um interessado aproveita
aos restantes, nos termos do artigo 74º, nº 3 da LTC, uma tal falta de
legitimidade acaba por não ter consequências.
A
parte final do artigo 72º, nº 2 [ “(....) de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer”] foi introduzida pela recente alteração à LTC, operada pela Lei nº 13-A/98,
de 26 de fevereiro, e vem consagrar uma abundante jurisprudência do Tribunal
sobre o conceito de suscitação “durante o processo” da questão de
inconstitucionalidade (ou de ilegalidade).
Com
efeito, o Tribunal afirmou, através de uma numerosa e reiterada jurisprudência,
que suscitar uma questão de constitucionalidade “durante o processo” é fazê-lo
em momento anterior à “decisão final” do tribunal recorrido, ou seja, enquanto
neste a causa ainda se encontrar “pendente”. O “processo” é concebido como um
complexo de actos encadeados entre si e que tendem a um objectivo último, a
decisão final (
[22]
),
e, nessa medida, é antes dessa
“decisão final” que a questão de constitucionalidade deve ser suscitada.
À
noção de “decisão final” liga-se a ideia de trânsito em julgado, determinando o
artigo 677º Código de Processo Civil que uma decisão se considera transitada em
julgado quando não for susceptível de recurso ordinário ou reclamação. Seria
possível, assim, suscitar a questão de constitucionalidade num momento em que,
não sendo já admissível recurso ordinário, a decisão ainda era passível de
reclamação? À primeira vista, poder-se-ia responder afirmativamente, com base
na ideia de que, não tendo ainda transitado em julgado, a decisão recorrida
ainda não era uma “decisão final” e, nessa medida, a causa ainda se encontrava
“pendente” (
[23]
). No entanto, importa ter presente que:
(1) após a prolação da decisão, só é possível requerer-se o suprimento dos
vícios mencionados nos artigos 667º a 669º do Código de Processo Civil; (2) o
poder jurisdicional do juiz a quo esgota-se, em princípio, com a prolação da decisão (Código de Processo Civil,
artigo 666º, nº 1); (3) a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não
constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial nem a
torna obscura ou ambígua (
[24]
).
Por esse motivo, o Tribunal considerou que o pedido de aclaração de uma decisão
judicial ou a arguição da sua nulidade já não são, em princípio, meios
adequados para suscitar pela primeira vez uma questão de constitucionalidade “durante o processo”.
Na
verdade, como se observou no acórdão nº 15/95, “a locução ‘durante o processo’
exprime precisamente o desiderato da suscitação na pendência da causa da
questão de constitucionalidade, em termos de essa mesma questão ser tida em
conta pelo tribunal que decide. Esta ideia é, afinal, corolário da natureza e
sentido da fiscalização concreta de constitucionalidade das normas e, em
especial, do recurso de parte que dela participa. Aí a questão de
constitucionalidade é uma questão incidental, em estreita relação com o ‘feito
submetido a julgamento’ [CRP, artigo 207º, actual artigo 204º], só podendo incidir sobre normas relevantes para o
caso. O ‘interesse pessoal na invalidação da norma’ (G. Canotilho e Vital
Moreira) só faz sentido e se concretiza na medida em que a parte confronte, em
tempo, o tribunal que decide a causa com a controversa validade constitucional
das normas que aí são convocáveis”.
À
luz desta ideia, o Tribunal vem considerando que já não são, em princípio,
meios idóneos para suscitar atempadamente uma questão de constitucionalidade:
–
a arguição de nulidade ou o pedido de aclaração da decisão (
[25]
);
– um requerimento autónomo
em que se suscite a questão de constitucionalidade após a decisão (
[26]
);
–
um requerimento-complemento de um pedido de aclaração (
[27]
);
–
o próprio requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade (
[28]
);
–
as alegações do recurso de constitucionalidade (
[29]
).
Estes
já não são, em princípio, meios adequados para suscitar
uma questão de constitucionalidade “durante o processo” perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
Diz-se que já não são meios adequados “em princípio”, uma vez que existam
situações excepcionais que levam a dispensar o recorrente do ónus da suscitação
antecipada da questão de constitucionalidade:
– em primeiro lugar,
situações em que, por força de uma norma processual específica, o poder
jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida;
– em segundo lugar,
situações, de todo em todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não
dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de
constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou que, tendo essa
oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de
constitucionalidade.
Vejamos,
desde logo, as situações em que, por força de uma norma processual específica,
o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida. O
Tribunal já teve de se confrontar com algumas situações desse tipo, podendo
apresentar-se alguns exemplos:
– no acórdão nº 3/83 - neste
caso, o recorrente havia suscitado a inconstitucionalidade de uma norma que
atribuía competência em certa matéria ao tribunal recorrido e que, a
considerar-se inconstitucional tal norma, determinaria a sua incompetência
absoluta. Ora, nos termos do artigo 102º, nº 1, do Código de Processo Civil, a
incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes em qualquer momento do
processo. O tribunal recorrido ainda podia, pois, conhecer da questão de
constitucionalidade que estava subjacente à arguição de incompetência absoluta.
Tratava-se, pois, de uma situação em que o poder jurisdicional do tribunal a
quo sobre a questão de constitucionalidade
não se havia esgotado com a prolação da decisão recorrida;
– nos acórdãos nºs. 206/86 e
366/96 - nestes casos, os recorrentes haviam suscitado a questão de
constitucionalidade durante a reclamação para fundamentar a tese de que ainda
lhes era lícito invocar nesse momento determinada causa de nulidade do acórdão
reclamado. O Tribunal considerou que a reclamação representa um meio idóneo
para suscitar a inconstitucionalidade se nessa reclamação for questionada a
“constitucionalidade de normas relevantes para a decisão de questões sujeitas
ainda ao poder de jurisdição do tribunal (como serão as questões processuais
autonomamente postas em tal reclamação)”;
– nos acórdãos nºs. 352/89 e
306/90 - após a decisão final, o recorrente foi notificado da conta de custas
e, ao reclamar desta conta, arguiu a inconstitucionalidade de normas do Código
das Custas Judiciais ao abrigo das quais aquela conta havia sido elaborada. O
Tribunal considerou que, apesar de já ter sido proferida a “decisão final” no
processo, ainda era lícito ao recorrente suscitar a questão de
constitucionalidade;
– no acórdão nº 190/90 - o
Tribunal considerou que a arguição da inconstitucionalidade feita durante um
incidente atípico, ocorrido após a prolação da decisão, pode ser um meio idóneo
e atempado para suscitar pela primeira vez uma questão de constitucionalidade.
Existe
um segundo tipo de situações, que são aquelas, de todo em todo excepcionais ou
anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para
suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão final.
São, essencialmente, três tipos de casos (
[30]
):
– o interessado não teve a
possibilidade de suscitar a questão em virtude de não lhe ter sido dada
qualquer oportunidade para intervir no processo antes da decisão (
[31]
);
– o interessado interveio no
processo, mas a questão de constitucionalidade só se colocou perante um
circunstancialismo ocorrido após a sua última intervenção processual (
[32]
);
– ao interessado não era
exigível que antevisse a possibilidade de aplicação da norma ao caso concreto,
de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da decisão final (
[33]
).
Em
todos estes casos, dispensa-se, pois, o recorrente de suscitar a questão de
constitucionalidade antes da decisão final. O Tribunal exige, porém, que o
recorrente o faça logo na primeira oportunidade processual subsequente.
Explicando melhor, a impugnação da norma deve ser feita no momento mais próximo
daquele momento em que emergiu a questão de constitucionalidade e, se não foi
possível ao recorrente fazê-lo antes de proferida a decisão final, deve fazê-lo
logo a seguir. Em regra, deve fazê-lo logo no momento de interposição do
recurso para o Tribunal Constitucional (
[34]
),
o que significa que já não o pode fazer:
– no requerimento de
resposta ao “despacho-convite” a que se refere o artigo 75º-A, nº 5 da LTC (
[35]
);
–
nas alegações de recurso no Tribunal Constitucional (
[36]
).
Para
além de um tempo, existe igualmente um modo processualmente adequado a suscitar uma questão de constitucionalidade. Com
efeito, o nº 2 do artigo 72º da LTC alude à necessidade de suscitar a questão
de inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer” (itálico acrescentado). A questão de
constitucionalidade deve ser suscitada de forma clara e perceptível, de forma a
que o tribunal a quo compreenda que tem de se
pronunciar sobre ela. E, como é evidente, sendo o controlo de
constitucionalidade um controlo de constitucionalidade de normas,
a suscitação da inconstitucionalidade deve fazer-se por referência a normas
jurídicas, não às decisões judiciais em si mesmas (
[37]
).
Uma
questão curiosa que se levanta a este propósito – e que já gerou uma
divisão jurisprudencial entre duas secções do Tribunal – é a de saber se
ao recorrente se exige que coloque a questão de constitucionalidade
sucessivamente através das diversas instâncias, mesmo que tenha obtido ganho de
causa. Imagine-se a seguinte situação: o autor suscita a questão de
constitucionalidade perante a 1ª instância e obtém ganho de causa. A parte
vencida interpõe recurso. Exige-se ao anterior autor – agora recorrido
– que volte a suscitar a questão de constitucionalidade nas
contra-alegações? Será obrigatório nunca deixar “cair” ou “abandonar” a questão
de constitucionalidade nas várias instâncias de recurso? Uma das secções do
Tribunal respondeu afirmativamente (
[38]
).
Outra das secções entendeu que, nos casos em que a parte, que suscitara antes a
questão de constitucionalidade como autora ou recorrente, numa instância,
obteve aí ganho de causa, embora por fundamento diverso do da
inconstitucionalidade da norma aplicada e passou a ser recorrida numa instância
de recurso, deixando de ter o ónus de alegar e formular conclusões no recurso
interposto pelo vencido, não é exigível que tenha de alegar para suscitar de
novo a questão de constitucionalidade, a título subsidiário, para a hipótese de
o tribunal de recurso vir a revogar a decisão recorrida (
[39]
).
1.3
- O interesse processual como condição de legitimidade
O
Tribunal Constitucional tem considerado, através de uma reiterada
jurisprudência, que o recurso de constitucionalidade desempenha uma função
instrumental (
[40]
).
Nestes termos, a noção de interesse processual liga-se à ideia de utilidade da
decisão da questão de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional para a
decisão da questão principal (da exclusiva responsabilidade do tribunal a
quo). Se a parte obteve ganho de causa quanto
à questão de constitucionalidade, não possui, obviamente, qualquer interesse no
recurso para o Tribunal Constitucional e, nessa medida, não dispõe de
legitimidade, nos termos do artigo 680º, nº 1 do Código de Processo Civil,
segundo o qual os recursos “só podem ser interpostos por quem, sendo parte
principal na causa, tenha ficado vencido” (
[41]
).
Por outro lado, o Tribunal vem afirmando, através de uma jurisprudência
constante e uniforme, que só deve conhecer de uma questão de
constitucionalidade e pronunciar-se sobre a mesma quando esta se puder
repercutir utilmente no julgamento do caso de que emergiu o recurso. Por isso,
não haverá interesse processual, designadamente, se a decisão do recurso de
constitucionalidade for útil apenas para prevenir futuros litígios ou para
decidir esses litígios no caso de virem a eclodir (
[42]
).
Mas
já haverá interesse processual em conhecer da questão de constitucionalidade
numa situação como a do acórdão nº 144/90, em que o Tribunal decidiu conhecer
do recurso de constitucionalidade da norma do artigo 204º do Estatuto dos
Funcionários de Justiça, cuja aplicação foi recusada pelo Tribunal
Administrativo do Círculo do Porto. Com efeito, tendo este tribunal
administrativo anulado um acto de recusa de inscrição de um solicitador na
respectiva Câmara por o mesmo não poder ter por suporte a referida norma do
artigo 204º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, dado ser inconstitucional,
e por ser ilegal face ao outro fundamento em que se apoiava [o artigo 49º,
alínea b), do Estatuto dos Solicitadores], o
Tribunal Constitucional concluiu pela utilidade do conhecimento da constitucionalidade
daquele artigo 204º. É que, tendo sido interposto recurso do referido tribunal
administrativo para o Supremo Tribunal Administrativo, não estava excluída a
hipótese de este poder vir a considerar inaplicável ao caso a norma do artigo
49º do Estatuto dos Solicitadores, ganhando assim pertinência a decisão da
questão de constitucionalidade daquele preceito do Estatuto dos Funcionários de
Justiça.
2 - Condições de acesso à
justiça constitucional
2.1 - Condições gerais
2.1.1 - Recurso das decisões
dos tribunais
No
que respeita à fiscalização concreta, Portugal possui um sistema original que
representa uma solução de compromisso entre o modelo de controlo difuso (judicial
review of legislation) e o modelo de controlo
concentrado (Verfassungsgerichtsbarkeit)
(
[43]
).
Trata-se de um sistema “misto”, que garante a todos os tribunais o acesso directo à Constituição, nos termos da norma do artigo 204º da CRP (
[44]
),
havendo recurso das suas decisões para o Tribunal Constitucional, restrito à
matéria de constitucionalidade. O sistema é, pois, “difuso na base” e
“concentrado no topo”.
Isto
significa que o controlo concreto ou incidental da constitucionalidade e da
legalidade de normas jurídicas pressupõe a existência de uma decisão judicial e
de um recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional. Essa decisão
judicial pode provir:
–
de qualquer tribunal público (
[45]
);
–
de um tribunal arbitral que julgue stricto jure,
mas não já quando julgue ex aequo et bono (
[46]
).
A
determinação do universo das decisões recorríveis para o Tribunal
Constitucional já suscitou diversos problemas. Assim, por exemplo, num primeiro
momento o Tribunal considerou que não podia conhecer de recursos interpostos de
decisões não jurisdicionais do Tribunal de Contas (
[47]
).
Posteriormente, afastou-se desse entendimento, vindo a admitir que são
recorríveis as decisões proferidas pelo Tribunal de Contas em matéria de vistos
(
[48]
).
Outro
problema é o de saber se se exige que essas decisões sejam definitivas,
ou seja, não possuam carácter provisório (
[49]
).
O Tribunal considerou que as decisões jurisdicionais de natureza provisória
– como os despachos de admissão do recurso ou os despachos de sustentação
(em recurso de agravo) – não são susceptíveis de recurso de
constitucionalidade. No que respeita aos procedimentos cautelares, o Tribunal
veio a admitir recorribilidade de uma decisão proferida num procedimento
cautelar (
[50]
).
Por
outro lado, o Tribunal considera que os despachos dos presidentes dos tribunais
superiores sobre reclamações contra a não admissão do recurso são considerados
“decisões dos tribunais” para efeitos de recurso (
[51]
),
sendo tais reclamações abrangidas pelo conceito de recurso ordinário a que se
refere o artigo 70º, nº 2 da LTC (
[52]
).
2.1.2
- Recurso de normas
Em
Portugal, o controlo de constitucionalidade tem apenas por objecto normas
jurídicas, não abrangendo as decisões judiciais em
si mesmas, os actos políticos stricto sensu,
os actos administrativos ou os actos jurídicos privados.
Para
mais desenvolvimentos, cf. infra,
o ponto II.6.
2.1.3. - Patrocínio judiciário
Nos
recursos para o Tribunal Constitucional é, em regra, obrigatória a constituição
de advogado (LTC, artigo 83º, nº 1) (
[53]
).
Por outro lado, só pode advogar perante o Tribunal Constitucional quem o puder
fazer junto do Supremo Tribunal de Justiça (
[54]
).
O
conceito de “advogado” é um conceito juridicamente preciso: trata-se daquele
que, segundo as disposições do Estatuto da Ordem dos Advogados, for titular de
inscrição em vigor como advogado na respectiva Ordem (
[55]
).
2.2 - Condições específicas dos
diversos recursos de constitucionalidade
A fiscalização concreta da
constitucionalidade contempla, no essencial, dois tipos de recurso:
- o recurso das decisões judiciais que recusem a aplicação de uma norma com
fundamento em inconstitucionalidade [LTC, artigo 70º, nº 1, alínea a)];
- o recurso das decisões judiciais que apliquem norma arguida de inconstitucional
pelas partes [LTC, artigo 70º, nº 1, alínea b)].
2.2.1 - O recurso previsto no
artigo 70º, nº 1, alínea a),
da LTC
O artigo 70º, nº 1, alínea a),
da LTC - e, bem assim, o artigo 280º, nº 1, alínea a), da CRP - prevê o recurso das decisões judicias
que recusem a aplicação de normas com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Esse recurso é obrigatório para o Ministério Público quando a norma cuja
aplicação tiver sido recusada constar de convenção internacional, de acto
legislativo ou de decreto regulamentar (CRP, artigo 280º, nº 3). O recurso é
directo para o Tribunal Constitucional e a sua interposição implica a
interrupção dos prazos para a interposição dos recursos ordinários que
coubessem na respectiva ordem de tribunais (LTC, artigo 75º, nº 1).
Condições de interposição desse
recurso são:
- que a recusa de aplicação
ocorra numa decisão judicial (
[56]
);
- que a recusa de aplicação tenha por objecto normas jurídicas (
[57]
);
- que a decisão recorrida
haja efectivamente recusado a aplicação de uma norma (ou normas) com fundamento
em inconstitucionalidade;
- que o recorrente indique a alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o
recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o
Tribunal aprecie (LTC, artigo 75º-A, nº 1).
Uma questão curiosa é a de saber o
que se entende por “recusa de aplicação”. Será necessário que a decisão
recorrida afirme expressamente que recusou a aplicação de uma norma com fundamento em inconstitucionalidade? O
Tribunal tem respondido de forma negativa: a recusa de aplicação pode ser feita
implicitamente (
[58]
).
Mais: é irrelevante que a decisão recorrida qualifique ou não o vício como de
inconstitucionalidade, pois que essa qualificação pertence ao próprio Tribunal
Constitucional (
[59]
).
Assim, mesmo que a decisão recorrida haja qualificado esse vício, por exemplo,
como de ilegalidade, é admissível o recurso para o Tribunal (
[60]
).
Por outro lado, só são recorríveis
as decisões em que o tribunal a quo recusou efectivamente a aplicação de uma norma com
fundamento na sua inconstitucionalidade. Não são, assim, recorríveis as
“falsas” recusas de aplicação de normas jurídicas, isto é, aquelas em que o
tribunal a quo se limitou a formular um juízo de
inconstitucionalidade de uma norma jurídica mas não afastou a sua aplicação ao
caso. Nesse caso, o juízo de inconstitucionalidade representa um simples obiter
dictum ou uma mera opinião ad ostentationem em matéria de constitucionalidade sem qualquer relevância para a economia da
decisão recorrida (
[61]
).
Esta conclusão é, afinal, corolário da ideia da natureza instrumental do recurso de constitucionalidade. De facto, se o juiz não recusou
verdadeiramente a aplicação da norma, a decisão do Tribunal Constitucional
nunca se poderia projectar utilmente sobre a decisão do fundo da causa, pelo
que não faz sentido possibilitar o acesso ao Tribunal.
Em contrapartida à recusa de
aplicação equivale a recusa de aplicabilidade:
é suficiente que o juiz tenha admitido a possibilidade de uma norma ser
aplicável ao caso, afastando essa hipótese em virtude de a considerar
inconstitucional (
[62]
).
2.2.2 – O recurso
previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b),
da LTC
O recurso a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 280º da CRP - e, bem assim, a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC - tem por objecto as decisões judiciais que apliquem normas arguidas de inconstitucionais pelas partes.
São condições desse recurso:
- que a aplicação ocorra numa decisão judicial (
[63]
);
- que essa aplicação tenha por objecto normas jurídicas (
[64]
);
- que a decisão recorrida haja aplicado a norma (ou normas) arguida de
inconstitucional (
[65]
);
- que o recorrente haja suscitado a questão de constitucionalidade “durante o
processo” (
[66]
);
- que se verifique uma exaustão dos recursos ordinários (LTC, artigo 70º, nº 2);
- que o recurso possua viabilidade,
ou seja, que não se configure como manifestamente infundado (
[67]
).
- que o recorrente seja a mesma parte que preliminarmente haja suscitado a
questão de constitucionalidade (CRP, artigo 280º, nº 4; LTC, artigo 72º, nº 2)
(
[68]
);
- que o recorrente indique a alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o
recurso é interposto, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o
Tribunal aprecie (LTC, artigo 75º-A, nº 1) e a norma ou princípio
constitucional que se considera violado, bem como a peça processual em que
suscitou a questão da inconstitucionalidade (LTC, artigo 75º-A, nº 2).
À semelhança do que ocorre com a
recusa de aplicação, exige-se que haja ocorrido uma efectiva aplicação da norma arguida de inconstitucional (
[69]
).
Não basta, com efeito, que na decisão recorrida se tenha aludido à norma arguida
de inconstitucional: é necessário que essa norma tenha constituído um dos
fundamentos da decisão, a sua ratio decidendi.
Caso contrário, estaremos perante um simples obiter dictum (
[70]
),
sendo o recurso de constitucionalidade desprovido de qualquer sentido útil, já
que a pronúncia do Tribunal, seja ela qual fosse, nunca poderia projectar-se
sobre a decisão recorrida.
Por outro lado - e à semelhança do que ocorre com as decisões de desaplicação -,
a aplicação de uma norma pode ser expressa ou implícita (
[71]
).
Esta ideia pode suscitar alguns problemas: imagine-se que um tribunal não toma
conhecimento da questão de inconstitucionalidade de uma norma, quando podia e
devia fazê-lo. Nesse caso, estará vedado ao recorrente o acesso ao Tribunal
Constitucional, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b),
da LTC? O Tribunal respondeu negativamente: nessa situação, o não conhecimento
da questão de constitucionalidade equivale à aplicação da norma arguida de
inconstitucional para efeitos do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b),
da LTC (
[72]
).
Além disso, a aplicação pode ter
por objecto apenas uma parcela da norma ou um seu segmento ideal, do mesmo modo
que é admissível o recurso de uma dada interpretação da norma (
[73]
).
No que se refere ao esgotamento
dos recursos ordinários, este pressuposto visa que o Tribunal Constitucional só
seja chamado a reapreciar decisões que constituam a última palavra dentro da
ordem judiciária a que pertence o tribunal que as tomou, por forma a não
facilitar o levantamento gratuito de questões de inconstitucionalidade e de
modo a poupar a intervenção desnecessária do Tribunal (
[74]
).
A este propósito, deve observar-se o seguinte:
- são equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos
tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem
como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência (LTC,
artigo 70º, nº 3);
- entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários quando tenha
havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição (
[75]
)
ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem
processual (LTC, artigo 70º, nº 4);
- não é admitido recurso para o Tribunal Constitucional de decisões sujeitas a
recurso ordinário obrigatório, nos termos da respectiva lei processual (LTC,
artigo 70º, nº 5);
- se a decisão admitir recurso ordinário, mesmo que para uniformização de
jurisprudência, a não interposição de recurso para o Tribunal Constitucional
não faz precludir o direito de interpô-lo de ulterior decisão que confirme a
primeira (LTC, artigo 70º, nº 6) (
[76]
).
3 - Desenvolvimento do processo
constitucional
O processo inicia-se pela
apresentação de um requerimento de interposição de recurso, apresentado no
tribunal a quo no prazo de 10 dias a contar da
notificação da decisão de que se pretende recorrer (
[77]
),
e do qual devem constar os elementos a que se refere o artigo 75º-A da LTC.
Importa sublinhar, desde logo, que, como a jurisprudência constitucional vem
salientando, os elementos constantes do artigo 75º-A são requisitos formais do recurso e não simples deveres de cooperação com o tribunal (
[78]
).
Em face do requerimento de interposição do recurso, o juiz do tribunal a quo pode tomar uma de três atitudes:
(1) admitir o recurso (decisão
que, todavia, não vincula o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76º,
nº 3 da LTC);
(2) não admitir o recurso, podendo
então o recorrente reclamar para o Tribunal Constitucional, nos termos do
artigo 76º, nº 4, da LTC;
(3) convidar o recorrente a
prestar os elementos em falta no prazo de 10 dias, nos termos do artigo 75º-A,
nº 5 da LTC.
No
caso de o juiz a quo convidar o recorrente a prestar
os elementos em falta [hipótese (3)], este pode seguir três caminhos:
- não responder
ao despacho-convite, o que implica que o recurso não deva ser admitido pelo
juiz a quo, podendo então o recorrente reclamar para o Tribunal
Constitucional, nos termos do artigo 76º, nº 4, da LTC;
- responder ao
despacho-convite, mas sem prestar todas as indicações necessárias, o que
implica que o recurso não deva ser admitido pelo juiz a quo, podendo então o
recorrente reclamar para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76º,
nº 4, da LTC;
- responder ao
despacho-convite, prestando todas as indicações necessárias, o que implica que
o recurso deva ser admitido pelo juiz a quo (decisão que,
todavia, não vincula o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76º, nº 3
da LTC).
No
caso de o juiz a quo não convidar o recorrente a
prestar os elementos em falta, o juiz relator no Tribunal Constitucional pode
fazê-lo, nos termos do artigo 75º-A, nº 6, da LTC. Uma vez mais, o recorrente
tem uma de três soluções:
(1) não responder
ao convite do relator;
(2) responder, mas
não prestar todas as indicações necessárias;
(3) responder,
prestando todas as indicações necessárias.
Se o recorrente não responder ao
convite do relator no Tribunal [hipótese (1)], a consequência é diversa do que se o convite tivesse
partido do juiz a quo: neste último caso, o recurso não
deverá ser admitido; tratando-se de um convite do juiz relator no Tribunal
Constitucional, se o recorrente não responder o recurso é logo julgado deserto
(artigo 75º-A, nº 7, da LTC) (
[79]
).
Por outro lado, se o recorrente não prestar todos os elementos necessários
[hipótese (2)], o juiz relator deve proferir decisão sumária a não admitir o
recurso, nos termos do nº 2 do artigo 78º-A da LTC, a qual é susceptível de
reclamação para a conferência (artigo 78º-A, nº 3, da LTC). Se o recorrente
prestar todos os elementos necessários [hipótese (3)], o juiz relator pode
mandar prosseguir o recurso, ordenando a produção de alegações, ou pode ainda
lavrar decisão sumária, nos termos do artigo 78º-A, nº 1 (designadamente, por a
questão a decidir ser simples).
Se
não faltarem quaisquer elementos e o recurso for admitido pelo juiz a quo,
o relator no Tribunal procede a um exame preliminar do processo, nos termos do
artigo 78º-A, nº 1, da LTC. Realizado esse exame, pode tomar uma de três
atitudes:
(1) proferir decisão
sumária a não admitir o recurso, decisão da qual cabe reclamação para a
conferência, nos termos do nº 3 do artigo 78º-A da LTC;
(2) proferir
decisão sumária caso a questão a decidir seja simples, decisão da qual cabe
reclamação para a conferência, nos termos do nº 3 do artigo 78º-A da LTC;
(3) ordenar a produção de
alegações por um prazo que é, em regra, de 30 dias (LTC, artigo 79º, nº 2).
Produzidas
alegações, o relator deve elaborar, num prazo de 30 dias, um memorando ou
projecto de acórdão, que deve acompanhar o processo quando este vai com vista,
pelo prazo de 10 dias, a cada um dos juízes da secção (artigo 79º-B, nº 1).
Esse memorando ou projecto de acórdão será objecto de discussão pelos juízes da
secção e será a partir desse debate que se formará a decisão do Tribunal.
Esquema do recurso de Constitucionalidade (documento em formato PDF)
4 - Debate
O processo constitucional é um
processo escrito, não estando previstas quaisquer formas de intervenção oral
das partes. Os “textos” que constituem esse processo são, no essencial, o
requerimento de interposição do recurso, que deve conter os elementos previstos
no artigo 75º-A, da LTC, as alegações de recurso que, nos termos do artigo 79º
da LTC, são sempre produzidas no Tribunal Constitucional e, eventualmente, a
resposta ao “despacho-convite” do relator a que se refere o nº 5 do artigo
75º-A da LTC.
5
- Órgãos
da justiça constitucional
A fiscalização concreta da
constitucionalidade em Portugal assenta, como vimos (
[80]
),
num esquema original de “repartição de competências” entre o Tribunal
Constitucional e os outros tribunais. Estes procedem, numa primeira fase, à
fiscalização concreta da constitucionalidade nos feitos que lhes são sujeitos a
julgamento, seja por iniciativa das partes, seja pela sua própria iniciativa.
Os tribunais (todos os tribunais) podem, pois,
recusar-se a aplicar normas com fundamento em inconstitucionalidade. O
exercício deste poder-dever está expresso no artigo 204º da CRP: “Nos feitos
submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o
disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”. Das decisões dos
tribunais em matéria de constitucionalidade cabe sempre recurso para o Tribunal Constitucional, que é, nos termos do artigo 221º da
CRP, “o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em
matérias de natureza jurídico-constitucional”. O sistema de controlo é, assim,
um sistema original: diferentemente do que acontece com outros sistemas dotados
de tribunal constitucional, os tribunais comuns também têm acesso directo à Constituição, dispondo de competência plena para julgarem e decidirem as
questões suscitadas (
[81]
);
mas, diversamente dos sistemas de judicial review,
as decisões dos tribunais da causa são recorríveis para um tribunal
constitucional específico, exterior à jurisdição ordinária (
[82]
).
No âmbito do
controlo concreto, órgãos da justiça constitucional são, pois, todos os
tribunais portugueses [tribunais judiciais, tribunais administrativos e
fiscais, tribunais militares (
[83]
), Tribunal de Contas, tribunais da organização
judiciária de Macau] e, em última linha, o Tribunal Constitucional, que se
configura como um supremo tribunal em matéria de constitucionalidade. A
natureza jurisdicional do Tribunal Constitucional não oferece dúvidas. Desde
logo, porque a CRP o integra na enumeração das diferentes categorias de
tribunais (CRP, artigo 209º) e, depois, porque o qualifica como “o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça
em matérias de natureza jurídico-constitucional” (CRP, artigo 221º, itálico
acrescentado).
Em regra, o julgamento dos recursos em fiscalização
concreta realiza-se em secção, nos termos do nº 1 do artigo 70º da LTC (
[84]
). No entanto, o Presidente do Tribunal pode, com a concordância do Tribunal, determinar que o
julgamento se faça com intervenção do plenário, quando considerar necessário
para evitar divergências jurisprudenciais ou quando tal se justifique em razão
da natureza da questão a decidir, caso em que o processo irá com vista, por 10
dias, a cada um dos juízes que ainda o não tenham examinado, com cópia do
memorando, se este já tiver sido apresentado. Tratando-se de recursos interpostos
em processo penal, tal faculdade deve ser exercida antes da distribuição do
processo, podendo nos restantes casos ser exercida até ao momento em que seja
ordenada a inscrição do processo em tabela para julgamento (LTC, artigo 79º-A).
O artigo 79º-D da LTC prevê ainda, na sequência do nº 3 do artigo 224º da CRP,
o recurso para o plenário em caso de divergências jurisprudenciais entre as
secções no que respeita a questões de constitucionalidade ou de legalidade.
O controlo concreto de
constitucionalidade é um controlo incidental (
[85]
).
Como decorre do artigo 204º da Constituição (“Nos feitos submetidos a
julgamento...”), a questão da inconstitucionalidade tem, no processo em que
surge, natureza incidental, nunca surgindo como o objecto principal do processo.
Mas isso não significa que, em algumas ocasiões, a questão de
constitucionalidade não acabe por ser, afinal, a questão fundamental para a
decisão da causa ou a única questão de direito a decidir. Um exemplo expressivo
é o do acórdão nº 86/90: num processo especial de recuperação de empresa, o
juiz proferiu despacho determinando que os três maiores credores adiantassem os
honorários do administrador judicial, ao abrigo de uma norma de um decreto-lei
de 1986. Um dos credores interpôs recurso desse despacho para o Tribunal da
Relação, invocando a inconstitucionalidade dessa norma, e, tendo-lhe sido negado provimento,
recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que julgou a norma
inconstitucional, concedendo provimento ao recurso. O Ministério Público interpôs
recurso (obrigatório) desta decisão para o Tribunal Constitucional, que, pelo
acórdão nº 86/90, se pronunciou pela não inconstitucionalidade. Na sequência
desta decisão, o Supremo Tribunal de Justiça, reformando o seu anterior
acórdão, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida. A questão
de constitucionalidade assumiu-se, pois, como a única questão a decidir em todo
o processo, mas isso não invalida, como é evidente, a ideia de que o controlo
concreto é um controlo incidental (
[86]
).
6 - Normas impugnáveis
Em Portugal, o controlo de
constitucionalidade é um controlo de normas jurídicas.
As normas objecto dos diferentes tipos de fiscalização de constitucionalidade
podem constar de lei ou de outros actos normativos do poder público. O Tribunal
tem afirmado, através de uma reiterada jurisprudência, que o controlo de
constitucionalidade é um controlo de normas, não um contencioso de decisões,
seja qual for a sua natureza (
[87]
).
Em traços gerais, encontram-se sujeitas ao controlo do Tribunal Constitucional
as normas constantes de:
– tratados internacionais e
acordos sob forma simplificada;
– actos legislativos ou com
força de lei: leis da Assembleia da República, decretos-lei do Governo,
decretos legislativos regionais; diplomas de natureza legislativa emanados dos
órgãos de governo do Território de Macau até 1999 (
[88]
);
– actos de natureza
regulamentar, provenientes do Governo, dos governos regionais das regiões
autónomas, dos órgãos de poder local, de certos magistrados administrativos (caso
dos governadores civis nos distritos de Portugal continental), de certas
pessoas colectivas públicas com poderes regulamentares, e mesmo de certas
entidades não públicas, em certos casos, desde que lhes sejam atribuídos
poderes normativos públicos (
[89]
).
Para efeitos de determinação do objecto do
controlo, o Tribunal utiliza um conceito muito amplo de norma, recorrendo a um
critério simultaneamente funcional e formal (
[90]
).
Como vem referindo o Tribunal, em jurisprudência uniforme e constante, são
“normas” quaisquer actos do poder público que contiverem uma “regra de conduta”
para os particulares ou para a Administração, um “critério de decisão” para
esta última ou para o juiz ou, em geral, um “padrão de valoração de
comportamento”. Trata-se, pois, de um conceito simultaneamente formal e
funcional de norma, que não abrange somente os preceitos de natureza geral e abstracta, antes inclui quaisquer normas públicas,
de eficácia externa, independentemente do seu carácter geral e abstracto ou
individual e concreto e, bem assim, de possuírem, neste último caso, eficácia
consumptiva (isto é, quando seja dispensável um acto de aplicação) (
[91]
).
Com base nesse critério, o Tribunal admitiu fiscalizar a constitucionalidade
de:
– leis-medida e leis
individuais e concretas (
[92]
);
– tratados-contratos
internacionais (
[93]
);
– resoluções da Assembleia
da República que suspendiam a vigência de decretos-lei;
– assentos do Supremo Tribunal de Justiça (
[94]
);
– acórdãos uniformizadores de jurisprudência do Supremo
Tribunal de Justiça, emitidos nos termos do artigo 437º do Código de Processo
Penal de 1987 (
[95]
);
– normas criadas pelo intérprete “dentro do espírito do
sistema” (artigo 10º, nº 3 do Código Civil) para preencher lacunas da lei (
[96]
);
– regulamentos estabelecidos por tribunais arbitrais
voluntários (
[97]
);
– actos específicos ou sui generis,
como os que fixam as regras necessárias ao funcionamento e organização da
Assembleia da República, fruto de autonomia normativa interna (
[98]
);
– normas constantes de convenções colectivas de trabalho,
quando o poder público as estenda a terceiros através de portarias de extensão
de regulamentação do trabalho (
[99]
);
– regulamentos de empresas e de federações desportivas, quando
sejam objecto de homologação (
[100]
).
Considera-se
ainda que são objecto de fiscalização de constitucionalidade as normas
constantes dos estatutos de associações públicas, os regulamentos emitidos
pelas associações públicas ou outras entidades privadas por devolução de
poderes de entidades públicas (por exemplo, regulamentos produzidos por
concessionários de obras ou serviços públicos) (
[101]
).
De igual modo, parecem poder ser objecto de controlo as normas
consuetudinárias, na medida e nos domínios em que são admitidas como fonte de
direito interno (cf. os artigos 3º, nº 1 e 348º do Código Civil) (
[102]
).
Além disso, o Tribunal parece poder pronunciar-se sobre a constitucionalidade
de normas jurídicas estrangeiras aplicáveis em Portugal por força de normas de
conflitos portuguesas (
[103]
).
Finalmente, parece poderem ser objecto de controlo as normas emanadas dos
órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal faça parte,
vigentes na ordem jurídica portuguesa por força do nº 3 do artigo 8º da CRP, e,
bem assim, o costume internacional (
[104]
).
Por seu turno, não podem ser
objecto de controlo pelo Tribunal Constitucional:
– os actos políticos stricto
sensu (“actos de governo”) (
[105]
);
– as decisões judiciais em
si mesmas (
[106]
);
– os actos administrativos (
[107]
);
– os actos
jurídico-privados, como os negócios jurídicos, os estatutos de associações
privadas, sociedades e cooperativas ou fundações submetidas ao direito privado
(
[108]
).
A
propósito das convenções colectivas de trabalho, gerou-se uma contradição
jurisprudencial entre duas secções do Tribunal. O Tribunal já sustentou que não
são normas, para efeitos de controlo de constitucionalidade, preceitos contidos
em actos de autonomia privada (
[109]
).
No que respeita às convenções colectivas de trabalho, a 2ª Secção considerou
que, enquanto actos de autonomia privada, não poderiam ser sujeitas a
fiscalização da constitucionalidade (
[110]
), ao passo que a 1ª Secção adoptou o
entendimento inverso (
[111]
).
Mais recentemente, a 3ª Secção do Tribunal acolheu a tese de que as convenções
colectivas de trabalho não são normas para efeitos da fiscalização de
constitucionalidade (
[112]
).
É de salientar ainda que, apesar
de não existir em Portugal um instituto do tipo “queixa constitucional” (Verfassungsbeschwerde),
“recurso de amparo” ou “acção constitucional de defesa” contra actos não
normativos, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem permitido, ainda
que de forma lateral ou mitigada, alcançar alguns dos efeitos desse instituto, designadamente quando
admite a sindicabilidade das normas com uma determinada interpretação - a interpretação acolhida na decisão recorrida. Na verdade, como o Tribunal vem
observando, através de uma abundante e reiterada jurisprudência, a questão de
constitucionalidade tanto pode respeitar a uma norma (ou a uma parte dela) como
também à interpretação ou sentido com que foi tomada no caso concreto e
aplicada (ou desaplicada) na decisão recorrida (
[113]
).
Contudo, nem sempre é fácil
distinguir as situações em que se está perante uma questão de
inconstitucionalidade normativa numa dada interpretação e as situações em que se está já a controlar a decisão judicial em si mesma (ou seja, em que tem lugar, por essa via, um verdadeiro “amparo
constitucional”). Ainda recentemente, o Tribunal Constitucional viu-se
confrontado com esse problema, a propósito de uma interpretação de uma norma do
Código Penal, não tendo o Tribunal chegado a determinar - por entender que não era necessário - se o objecto do recurso era efectivamente essa norma do Código Penal ou antes
uma norma construída pelo julgador através de um processo de integração de
lacuna por analogia, nos termos do artigo 10º, nºs. 1 e 2, do Código Civil (
[114]
).
Além disso, deve observar-se que
podem ser objecto de controlo apenas partes de um mesmo preceito normativo,
quando este contém mais de uma norma, ou mesmo, quando o preceito contém uma
única norma, se só estiver em causa uma parte ou um segmento ideal da norma.
São frequentes, quer na fiscalização concreta, quer na fiscalização abstracta,
as decisões de inconstitucionalidade parcial.
Como refere Luís Nunes de Almeida, o Tribunal Constitucional “não só já admitiu
que a parte inconstitucional pode corresponder a um segmento ou secção ideal do preceito [
[115]
]
como ainda admitiu que é possível distinguir entre inconstitucionalidade
parcial horizontal ou quantitativa e inconstitucionalidade parcial vertical ou qualitativa [
[116]
]”
(
[117]
).
A inconstitucionalidade parcial horizontal ocorre quando um preceito possui uma norma com partes distintas, em que só uma
está afectada por inconstitucionalidade e em que a decisão de inconstitucionalidade
opera por cisão ou expurgação de uma expressão verbal distinta; por seu turno,
a inconstitucionalidade parcial vertical ocorre quando a mesma norma abrange várias situações ou categorias de destinatários, sendo inconstitucional só quanto a uma dessas
situações ou categorias, não autonomizadas na previsão normativa (
[118]
).
Finalmente, deve esclarecer-se
que, se o Tribunal não está vinculado à “qualificação” do tribunal a quo (
[119]
),
está, todavia, limitado pelas normas que constituem o objecto do recurso. Nos
termos do artigo 79º-C da LTC, “o Tribunal só pode julgar inconstitucional ou
ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a
que haja recusado aplicação”. No entanto, o julgamento de inconstitucionalidade
ou de ilegalidade pode fazer-se “com fundamento na violação de normas ou
princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi
invocada” (LTC, artigo 79º-C, in fine).
Ou seja, o Tribunal está limitado pelas normas que constituem o objecto do
recurso, mas não vinculado à qualificação do vício ou aos fundamentos invocados
pela decisão recorrida [no caso do artigo 70º, nº 1, alínea a)]
ou pelas partes [no caso do artigo 70º, nº 1, alínea b)].
7 - Efeitos das decisões
Nos
termos do artigo 2º da LTC, as decisões do Tribunal Constitucional são
obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as
dos restantes tribunais e de quaisquer outras entidades. Por isso, se um
tribunal aplicar uma norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal
pelo Tribunal Constitucional cabe recurso dessa decisão para o Tribunal - recurso que é obrigatório para o Ministério Público [CRP, artigo 280º, nº 5;
LTC, artigo 70º, nº 1, alínea g),
e artigo 72º, nº 3].
Na
fiscalização concreta da inconstitucionalidade (e de certas formas particulares
de “ilegalidade qualificada”), as decisões do Tribunal Constitucional são
unicamente obrigatórias no caso (eficácia inter partes). O Tribunal pode, assim, confirmar a decisão recorrida (se aceitar o entendimento nela perfilhado quanto à questão
de constitucionalidade) ou, em princípio, revogar a decisão recorrida (na hipótese inversa) (LTC, artigo 80º) (
[120]
).
Neste último caso, a competência do Tribunal é puramente cassatória,
não se emitindo qualquer declaração genérica, com eficácia erga omnes,
sobre a validade da norma (
[121]
).
Além disso, se o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma
que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se
fundar em determinada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com
tal interpretação no processo em causa (LTC, artigo 80º, nº 3).
Um
problema que se coloca a este propósito é o de saber se o Tribunal dispõe de
meios para controlar o modo como são aplicadas as suas decisões pelo tribunal
recorrido. Trata-se de indagar, pois, o seguinte: se o Tribunal revogar a
decisão recorrida e ordenar a sua reformulação em harmonia com o decidido
quanto à questão de constitucionalidade, caberá novo recurso para o Tribunal dessa nova decisão?
O problema reveste-se de elevado interesse prático. É que, apesar de existir um
generalizado respeito pelas decisões do Tribunal Constitucional por parte dos
outros tribunais (
[122]
),
não são de descurar os riscos de conflitos entre ambos (
[123]
).
As
decisões do Tribunal Constitucional fazem, no respectivo processo, caso
julgado formal, impedindo que a questão venha a ser
retomada de novo nesse processo quando não possa mais ser impugnada (por
exemplo, através de arguição de nulidade em certo prazo). Por outro lado, a
decisão do Tribunal constitui caso julgado material no processo quanto à
questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade suscitada (LTC, artigo 89º,
nº 1).
Deve
ainda referir-se que, se a decisão do Tribunal divergir de anterior decisão quanto
à questão de constitucionalidade ou de legalidade sobre a mesma norma (
[124]
),
as partes podem recorrer para o plenário e o Ministério Público está mesmo
obrigado a fazê-lo, desde que tenha tido intervenção no processo como
recorrente ou recorrido (LTC, artigo 79º-D, nº 1). O Tribunal já considerou, como vimos (
[125]
),
que, não tendo tido intervenção no processo como recorrente ou recorrido, não
possui o Ministério Público legitimidade para interpor o recurso a que se
refere o artigo 79º-D da LTC (recurso para o plenário para uniformização de
jurisprudência) (
[126]
).
Por
outro lado, se a mesma norma tiver sido julgada inconstitucional ou ilegal em 3
casos concretos, o Tribunal Constitucional, por iniciativa de qualquer dos seus
juízes ou do Ministério Público, promoverá a
organização de um processo de fiscalização abstracta sucessiva da
constitucionalidade ou da legalidade [LTC, artigo 82º]. Com efeito, nos termos
do artigo 281º, nº 3, da CRP, o Tribunal Constitucional pode apreciar e declarar,
com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de qualquer norma, desde
que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos
concretos. A expressão “pode” demonstra já que o juízo de generalização da
inconstitucionalidade não se produz automaticamente - a existência de três “decisões concretas” no sentido da inconstitucionalidade
(ou da ilegalidade) é um pressuposto da abertura de um processo de fiscalização abstracta sucessiva, mas não obriga
o Tribunal Constitucional a declarar a inconstitucionalidade (ou a ilegalidade)
com força obrigatória geral (
[127]
).
8
- As decisões do Tribunal: estrutura, publicidade e estatística
As
decisões do Tribunal Constitucional são geralmente divididas em três partes:
(1) o relatório, que contém uma exposição mais ou menos sucinta dos dados do
processo relevantes para a decisão de constitucionalidade; (2) a fundamentação,
onde se apresentam os argumentos que sustentam a decisão do Tribunal; (3) a
decisão, que contém o enunciado sintético da decisão do Tribunal (“julga
inconstitucional a norma x e ordena a reforma da decisão recorrida.../confirma
a decisão recorrida”, “não julga inconstitucional a norma y,
confirmando/revogando a decisão recorrida...”).
No
que respeita à publicidade das decisões, cumpre referir:
– as decisões do Tribunal
são notificadas às partes;
– as decisões do Tribunal
que declarem a inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma são registadas
em livro próprio e delas é guardada cópia, autenticada pelo secretário, no
arquivo do Tribunal (LTC, artigo 81º);
– as decisões do Tribunal
Constitucional são publicadas no jornal oficial, Diário da República [CRP, artigo 119º, nº 1, alínea g)];
nos termos do artigo 3º da LTC são publicadas na 2ª série do Diário da
República as decisões do Tribunal em matéria de
fiscalização concreta, salvo as de natureza meramente interlocutória ou
simplesmente repetitivas de outras anteriores;
– são publicados no Boletim
do Ministério da Justiça todos os acórdãos do Tribunal
Constitucional com interesse doutrinário, cabendo a selecção ao presidente
(LTC, artigo 115º, nº 1);
– o Tribunal promove a
publicação dos seus acórdãos com interesse doutrinário em colectânea anual
(LTC, artigo 115º, nº 2), tendo sido publicados até ao momento mais de trinta
volumes da colectânea Acórdãos do Tribunal Constitucional;
– além destas formas de
publicidade, os acórdãos do Tribunal transitados em julgado são “públicos”,
podendo ser consultados na sede do Tribunal ou em diversas bases de dados
jurídicas, públicas e privadas.
Finalmente,
importa fazer uma breve alusão aos principais problemas abordados pela
jurisprudência constitucional. Apesar de relativamente recente, o Tribunal
Constitucional produziu já uma jurisprudência de tal forma abundante e
diversificada que inviabiliza uma análise sumária dos principais temas por ela
abordados. Pode dizer-se que uma parcela significativa dos acórdãos proferidos
em sede de fiscalização concreta se relacionam com a salvaguarda dos direitos
fundamentais, mais do que com a organização do poder político ou a organização
económica. De acordo com os diversos ramos de Direito, a estatística elaborada
por ocasião do 10º aniversário do Tribunal (e que cobre o período de 1983 a 1992) obteve os seguintes resultados
no que respeita à fiscalização concreta:
–
Direito Laboral, Sindical e da Segurança Social - 25% do total de acórdãos;
–
Direito Judiciário - 17%;
–
Direito Processual Penal - 13%;
–
Direito Administrativo - 8%;
–
Direito Estradal - 7%;
–
Direito Aduaneiro - 7%;
–
Direito Contra-ordenacional - 5%;
–
Direito Civil - 4%;
– Direito Comercial - 4%;
–
Direito Económico, Financeiro e Fiscal - 4%;
– Direito Penal - 4%;
–
Direito Processual Civil - 2%;
–
Direito Processual Laboral - 0,3% (
[128]
).
É
de supor que estas percentagens não se alteraram de modo significativo nos anos
mais recentes.
9 - Interdição do uso indevido
do recurso de constitucionalidade.
Instrumentos de promoção
processual.
A
consagração de uma jurisdição constitucional autónoma e, consequentemente, de
uma instância suplementar, envolve necessariamente o risco de utilização
indevida do recurso de constitucionalidade, designadamente como expediente
dilatório para evitar o trânsito em julgado das decisões judiciais (
[129]
).
Basta referir, a título de exemplo, que os dados relativos aos primeiros dez
anos de actividade do Tribunal permitem verificar que só numa percentagem
relativamente reduzida de decisões – mais precisamente, em cerca de
metade – se chegou efectivamente a
conhecer do mérito dos recursos de constitucionalidade, devendo-se o
“insucesso” dos restantes recursos, em larga medida, à ausência dos respectivos
pressupostos de admissibilidade (
[130]
).
Ora, é legítimo supor que uma parcela significativa dos recursos votados ao
“insucesso” tem subjacente um uso indevido da fiscalização concreta e mesmo, em
certos casos, de um uso com propósitos meramente dilatórios. Este panorama não
se alterou nos tempos mais recentes da actividade do Tribunal (designadamente,
não diminui sensivelmente a proporção entre os “acórdãos processuais” e os
“acórdãos de mérito”), havendo mesmo quem afirme que existem indícios de uma
tendência crescente para a utilização do recurso de constitucionalidade como
mero expediente dilatório do trânsito em julgado das decisões judiciais (
[131]
).
Por
outro lado, o Tribunal tem vindo a confrontar-se com um número crescente de
processos em todas as espécies de controlo de constitucionalidade. Basta
referir que, nos seus primeiros dez anos de actividade (1983-1993), o Tribunal
produziu 3.666 acórdãos e, só no triénio 1993-1996, produziu um número
praticamente equivalente: 3.570 acórdãos (
[132]
).
Por outras palavras, entre 1993 e 1996 o Tribunal produziu quase tantos
acórdãos como entre 1983 e 1993. E é a fiscalização concreta que preenche de forma
mais intensa a actividade do Tribunal: 96% do total das decisões proferidas no
âmbito normativo entre 1993 e 1996 respeitaram ao controlo concreto da
constitucionalidade (
[133]
).
No seio da fiscalização concreta, os recursos facultativos de decisões que aplicam
normas arguidas de inconstitucionais [artigo 70º, nº 1, alínea b)]
têm vindo a sobrepor-se aos recursos obrigatórios do Ministério Público de
decisões que recusam a aplicação de normas com fundamento em
inconstitucionalidade [artigo 70º, nº 1, alínea a)].
Essa tendência começou a desenhar-se no período 1993-1996 em que, pela primeira
vez desde o início da actividade do Tribunal, o número de recursos facultativos
ultrapassou o dos recursos obrigatórios (
[134]
).
Isto exprime, em síntese, uma tendência para uma maior utilização, pelos
particulares que são parte nos processos judiciais, do recurso facultativo de
constitucionalidade. A percentagem de êxito - isto é, de provimento (total ou parcial) - desses recursos dos particulares é, no
entanto, assaz reduzida, situando-se na ordem dos 17,4% (1995) e 10,4% (1996),
o que contrasta bem com o sucesso dos recursos do Ministério Público (41% em
1995; 82% em 1996).
Apesar
deste acréscimo significativo de processos, importa salientar que, de acordo
com os dados estatísticos disponíveis, o “tempo médio” de decisão dos recursos
de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional é sensivelmente idêntico ao
tempo médio de decisão dos restantes tribunais e, bem assim, ao de instâncias
congéneres europeias (como o Tribunal Constitucional de Espanha) (
[135]
).
Situando-nos novamente no período 1993-1996, a duração média dos recursos nunca
ultrapassou os 12 meses: foi de 10 meses em 1993, 12 meses em 1994 e 1995, e
baixou drasticamente para 7 meses em 1996.
Ainda
assim, é indubitável que o uso indevido do recurso de constitucionalidade
representa um factor de entorpecimento processual. Por esse motivo, a LTC prevê
diversos mecanismos para ultrapassar esse problema: antes da entrada em vigor
da Lei nº 13-A/98, destacava-se a possibilidade de o relator elaborar uma
exposição preliminar de não conhecimento do recurso (ou de remissão para
anterior jurisprudência do Tribunal), que posteriormente seria objecto de um
acórdão da secção. A Lei nº 13-A/98 introduziu novos mecanismos, que serão
analisados mais adiante.
Além disso, o Tribunal pode
condenar as partes em multa e indemnização como litigante de má fé, nos termos
da lei de processo, tendo já utilizado esse instrumento em diversas
ocasiões (LTC, artigo 84º, nº 6) (
[136]
).
Por outro lado, o não conhecimento do recurso, por falta dos respectivos
pressupostos de admissibilidade, já dava lugar ao pagamento
de custas judiciais (LTC, artigo 84º, nº 3).
Existem outros mecanismos para
obviar àquilo que já se designou por “processos-massa” (
[137]
),
ou seja, processos sobre a mesma questão de constitucionalidade que afluem em
número significativo ao Tribunal:
(1) depois de proferido um
acórdão, os acórdãos subsequentes limitam-se a remeter para a fundamentação do
primeiro, que assim funciona como um “padrão” (este procedimento é utilizado
sobretudo no âmbito da mesma secção, mas existem alguns exemplos de acórdãos
que reproduzem ou remetem para a fundamentação de decisões proferidas pela
outra secção do Tribunal) (
[138]
);
(2) o Presidente faz intervir o
plenário, nos termos do artigo 79º-A da LTC, e a decisão aí tomada vale como
precedente persuasivo, sendo acatada pelos juízes que intervieram na discussão,
ainda que acaso hajam manifestado discordância quanto à fundamentação e, mesmo,
quanto ao sentido da decisão (
[139]
);
(3) se existirem três decisões no
sentido da inconstitucionalidade, qualquer dos juízes ou o Ministério Público
podem desencadear o processo tendente à emissão de uma declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral (LTC, artigo 82º) que depois
será aplicada, se for caso disso, a todos os processos que entretanto chegarem
ao Tribunal.
Estes são, pois, alguns dos
expedientes utilizados pela jurisdição constitucional para enfrentar o afluxo de “processos-massa”. Mas, até à
entrada em vigor da Lei nº 13-A/98, como em relação a cada um dos processos que
chegavam ao Tribunal era sempre necessário proferir um acórdão, o número final
de acórdãos sobre a mesma questão tornava-se desmesurado. Basta referir, por
exemplo, que só entre 2 e 17 de dezembro de 1992 o Tribunal proferiu 215
acórdãos, todos sobre a mesma questão (
[140]
).
Porventura,
os mecanismos instituídos não se afiguraram suficientes para alcançar o
desiderato de uma justiça constitucional mais célere: a eventualidade do
pagamento de custas não tem desincentivado os particulares de recorrerem ao
Tribunal Constitucional, do mesmo modo que não são frequentes as condenações
como litigante de má fé e são raras as situações em que os recursos são
rejeitados com o fundamento de que são manifestamente infundados (
[141]
).
Por outro lado, a exposição preliminar do relator, nos termos do artigo 78º-A,
não era capaz de, por si só, fazer terminar um processo, sendo sempre
necessário tirar um acórdão a confirmá-la. Em face disto, a Lei nº 13-A/98, de
26 de fevereiro (que alterou a LTC), introduziu novos instrumentos para obviar
ao uso indevido do recurso de constitucionalidade ou, numa perspectiva mais
ampla, para promover a celeridade da fiscalização concreta. São eles:
– o desdobramento do
Tribunal em três secções não especializadas (LTC, artigo 41º);
– o alargamento da
possibilidade de o Ministério Público se abster de interpor recurso de decisões
conformes com a orientação que se encontre já estabelecida, a respeito da
questão em causa, em jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional (LTC,
artigo 72º, nº 4);
– a previsão de que, se o
recorrente não responder ao despacho-convite do relator no Tribunal a que se
refere o artigo 75º-A da LTC, o recurso é logo julgado deserto (LTC, artigo
75º-A, nº 7);
– a previsão de uma “decisão
sumária” do relator, quando este entender que não pode conhecer-se do objecto
do recurso ou que a questão é simples, designadamente por a mesma já ter sido
objecto de decisão anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada,
podendo tal “decisão sumária” consistir em simples remissão para anterior
jurisprudência do Tribunal (LTC, artigo 78º-A, nº 1);
– a possibilidade de
proferir “decisão sumária” quando o recorrente não preste todos os elementos a
que se refere o artigo 75º-A da LTC (LTC, artigo 78º-A, nº 2);
– o alargamento ou maior
especificação dos poderes do relator, nos termos do artigo 78º-B da LTC;
– a previsão de que o
processo vai com vista aos restantes juízes da secção acompanhado do memorando
ou projecto de acórdão elaborado pelo relator (LTC, artigo 79º-B, nº 1);
– a previsão segundo a qual,
sendo manifesto que, com determinado requerimento, se pretende obstar ao
cumprimento da decisão proferida no recurso ou na reclamação ou à baixa do
processo, se observará o disposto no artigo 720º do Código de Processo Civil (
[142]
),
mas só depois de pagas as custas contadas no Tribunal, as multas que este tiver
aplicado e as indemnizações que houver fixado, se proferirá decisão no traslado
(LTC, artigo 84º, nº 8);
– a previsão segundo a qual
o Tribunal condenará em custas a parte que decair, nos recursos previstos nas
alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º em que conheça do respectivo objecto, quando o regime
anterior só determinava o pagamento de custas quando o Tribunal não conhecesse
do objecto do recurso.
A
grande inovação trazida pela Lei nº 13-A/98 foi, com efeito, a possibilidade de
o processo terminar com uma “decisão sumária” do juiz relator (
[143]
). Até aí, o relator podia, como vimos, elaborar uma
exposição preliminar de não conhecimento do recurso (ou de simples remissão
para jurisprudência anterior do Tribunal), mas era sempre necessário produzir
um acórdão, tirado por todos os juízes da secção. Para mais, o Tribunal possuía
apenas duas secções, compostas por sete juízes cada uma, ao passo que
actualmente dispõe de três secções, compostas por cinco juízes (
[144]
).
Ainda
é cedo para avaliar em rigor se esses instrumentos contribuíram efectivamente
para um decréscimo da utilização abusiva do recurso de constitucionalidade.
Sempre se dirá, no entanto, que alguns dados apontam para o sucesso de alguns
dos mecanismos introduzidos pela Lei nº 13-A/98, de que se destacam as
“decisões sumárias” do relator. Basta referir que um número apreciável de
recursos foi objecto de decisões desse tipo mas, mais importante do que isso,
basta referir que as reclamações deduzidas contra tais decisões, nos termos do
artigo 78º-A, nº 3 da LTC, têm uma reduzidíssima taxa de sucesso: na esmagadora maioria dos casos, a conferência têm
confirmado a decisão sumária do relator. Além disso, o número de decisões que
não são objecto de reclamação para a conferência é significativamente maior do
que o número de reclamações, o que permite extrair a conclusão de que, em traços
gerais, a “decisão sumária” do relator afigura-se um expediente útil para a
promoção da celeridade dos recursos, tendo já permitido encerrar
definitivamente, de uma forma rápida e eficaz, um conjunto muito apreciável de
processos.
III - O CONTROLO ABSTRACTO
DA CONSTITUCIONALIDADE
Dentro
da fiscalização abstracta far-se-á
sempre referência, distinguindo as
situações, à fiscalização preventiva e à fiscalização abstracta sucessiva. É
ainda de notar que apenas se trata do controlo da constitucionalidade (e de certas formas
de legalidade qualificada) de normas, deixando assim de lado a fiscalização da
inconstitucionalidade por omissão e outras competências do Tribunal
Constitucional, nomeadamente, a fiscalização preventiva obrigatória dos
referendos.
1.
Legitimidade
O
controlo preventivo da constitucionalidade (CRP, artigo 278º) é feito a
requerimento do Presidente da República ou, tratando-se de diplomas regionais,
dos respectivos Ministros da República. No caso das leis orgânicas (
[145]
),
o controlo preventivo também pode ser requerido pelo Primeiro-Ministro ou por
1/5 dos deputados à Assembleia da República em efectividade de funções (CRP,
artigo 278º, nº 4) (
[146]
).
No âmbito da fiscalização
abstracta sucessiva, dispõem de legitimidade activa o Presidente da República,
o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o Provedor de
Justiça, o Procurador-Geral da República (
[147]
), um décimo dos deputados à Assembleia da República e,
quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação de
direitos das Regiões Autónomas ou quando o
pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do estatuto da
respectiva região ou de lei geral da República, os Ministros da
República, as assembleias legislativas regionais, os respectivos presidentes ou um décimo dos seus deputados, e os presidentes dos governos regionais.
Esta
enumeração é taxativa: a legitimidade é restrita a estas instituições
públicas. Refira-se,
por exemplo, que, no acórdão nº 732/95, o Tribunal não conheceu de um pedido de
fiscalização abstracta sucessiva requerido por um sindicato, por falta de
legitimidade do requerente.
Como
se vê, não está prevista
nenhuma forma de acção popular de inconstitucionalidade: os cidadãos não têm
acesso directo ao Tribunal Constitucional no controlo abstracto da
constitucionalidade (ou legalidade), o qual apenas pode ser desencadeado pelas
entidades públicas apontadas, as quais não têm que invocar ou demonstrar um interesse
próprio ou legítimo para apresentar um pedido.
No
entanto, é frequente que os pedidos apresentados por certas entidades (nomeadamente, aquelas cuja acção se
destina prioritariamente à defesa dos direitos dos cidadãos, como, por
exemplo, o
Provedor de Justiça) surjam na sequência de solicitações nesse
sentido de cidadãos ou grupos de cidadãos, ao abrigo do direito de petição (cf.
artigo 52º, nº 1, CRP). Mas, mesmo nesses casos, não se pode dizer que tais entidades actuam
apenas para defender direitos alheios, pois a iniciativa de requerer a
fiscalização está ordenada sobretudo para a defesa (objectiva) da ordem
constitucional. E, além disso, como o Tribunal afirmou (
[148]
), nenhuma dessas entidades pode actuar como uma
mera "ponte" entre os cidadãos e o Tribunal, mas tem que assumir como
verdadeiramente seus os pedidos de declaração da inconstitucionalidade que
apresente.
Para além disso, nos processos de
“generalização” (
[149]
) (cf. artigo 281º, nº 3, CRP) - que são, para todos os efeitos, processos de fiscalização abstracta
sucessiva - dispõem ainda de legitimidade activa, nos termos do artigo 82º LTC, os
representantes do Ministério Público no Tribunal Constitucional (
[150]
) - o Procurador-Geral da República ou, por delegação deste, o Vice-Procurador-Geral ou os Procuradores-Gerais Adjuntos - e qualquer dos Juízes do Tribunal Constitucional (
[151]
).
Recentemente,
tanto a doutrina (
[152]
) como alguns partidos políticos sugeriram o
alargamento do leque das entidades com legitimidade processual activa na
fiscalização abstracta sucessiva: na recente revisão constitucional de 1997 foram
apresentadas, sem êxito, propostas de extensão daquela legitimidade a grupos de
cidadãos eleitores (5000, no projecto do Partido Socialista, 10000, no projecto
do Partido Comunista Português, ou um número a determinar por lei, no projecto
de "Os Verdes"), aos grupos parlamentares (projecto do
PCP), ao Bastonário da Ordem dos Advogados (projecto de alguns deputados do
Partido Social Democrata), e a qualquer deputado (projecto de "Os
Verdes").
2.
Objecto do pedido
O controlo preventivo incide sobre normas contidas em diplomas provenientes da Assembleia
da República e do Governo, incluindo as convenções internacionais aprovadas por
estes órgãos (artigo 278º, nº 1, CRP), e normas contidas em
diplomas regionais aprovados pelas assembleias legislativas regionais dos
Açores e da Madeira (artigo 278º, nº 2, CRP).
É
de notar que o controlo preventivo é um controlo exclusivamente de
constitucionalidade.
As normas que podem ser objecto desse
controlo são:
- a pedido do Presidente da República, normas constantes de tratado
internacional que lhe seja submetido para ratificação, de decreto
que lhe tiver sido enviado para promulgação como lei ou como decreto-lei ou de acordo
internacional cujo decreto lhe
tenha sido remetido para assinatura (artigo 278º, nº 1, CRP);
- a pedido dos Ministros da República, normas constantes de decreto legislativo regional ou de decreto
regulamentar de lei geral da República que lhes tenham sido
enviados para assinatura (artigo 278º, nº 2, CRP);
- a pedido do Primeiro-Ministro ou de um quinto dos
deputados à Assembleia da República em efectividade de funções, normas
constantes de decreto que tenha sido enviado ao Presidente da República para
ser promulgado como lei orgânica (artigo 278º, nº 4,
CRP).
Quanto
à fiscalização abstracta sucessiva, o artigo 281º, nº 1, CRP, prevê que o Tribunal aprecie
e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de quaisquer
normas. Valem aqui as indicações que se
deixaram a propósito do conceito de norma relevante para o controlo concreto (
[153]
).
Prevê-se ainda o controlo
abstracto sucessivo de três formas específicas de ilegalidade:
a) - ilegalidade de quaisquer
normas constantes de acto legislativo com fundamento em violação de lei com
valor reforçado (
[154]
);
b) - a ilegalidade de quaisquer
normas constantes de diploma regional com fundamento em violação do estatuto da
região ou de lei geral da República;
c) - a ilegalidade de quaisquer
normas constantes de diploma emanado dos órgãos de soberania com fundamento em
violação dos direitos de uma região consagrados no seu estatuto.
Desta
forma, o Tribunal Constitucional intervém, de forma indirecta, na
composição de conflitos
entre entes territoriais (Estado e Regiões Autónomas). Há que
notar que as possibilidades de os órgãos das regiões autónomas suscitarem
a intervenção do Tribunal Constitucional para dirimir tais conflitos é limitada
pelo facto de a sua legitimidade processual activa ser restrita a certas normas e a
certos fundamentos. Na verdade, as assembleias legislativas regionais, os seus
presidentes, um décimo dos seus deputados, ou os
presidentes dos governos regionais, só podem requerer a fiscalização abstracta sucessiva
quando: a) o pedido de declaração de inconstitucionalidade se
fundar em violação de direitos das Regiões Autónomas; ou b) o pedido de
declaração de ilegalidade se fundar em violação do estatuto da respectiva
região ou de lei geral da República - cf. artigo 281º, nº 2, g), CRP.
Note-se
que, no respeito pelo princípio do pedido, um pedido de declaração de ilegalidade
de certa norma não poderá ser convolado pelo Tribunal num pedido de apreciação
da constitucionalidade da mesma norma (
[155]
). Está assim o Tribunal impedido de apreciar a
constitucionalidade (e, eventualmente, declarar a inconstitucionalidade) de uma
norma, quando apenas lhe foi pedido que aprecie a sua legalidade.
A Constituição prevê ainda, no seu
artigo 281º, nº 3, que o Tribunal Constitucional aprecie e declare, com força
obrigatória geral, a inconstitucionalidade (ou a ilegalidade) de qualquer norma,
desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos
concretos. Trata-se, pois, de uma forma específica de controlo abstracto,
assente numa “generalização” de julgamentos de inconstitucionalidade (ou de
ilegalidade). Na generalização, o Tribunal não se encontra vinculado pelas
decisões proferidas em sede de fiscalização concreta: desde logo, porque os
“três casos concretos” necessários à formulação de um pedido de “generalização”
podem ter sido proferidos apenas por uma das secções do Tribunal, não se tendo
ainda a outra secção pronunciado sobre a questão. Nestes termos, é possível
que, apesar de o Tribunal se ter pronunciado, em sede de fiscalização concreta,
pela inconstitucionalidade de uma norma, venha a adoptar atitude diversa no
âmbito da fiscalização abstracta (
[156]
).
Do controlo normativo estão
excluídos os actos políticos, os actos administrativos e os actos judiciais em
si mesmo considerados. No
entanto, foi defendido na doutrina um alargamento da intervenção do Tribunal, que abrangeria domínios
como os de certos actos políticos ou da responsabilidade por actos legislativos (
[157]
).
As
normas pré-constitucionais podem ser objecto de fiscalização da constitucionalidade, mas apenas no confronto com a Constituição
de 1976 e não já também com a Constituição de 1933 ou com leis
constitucionais provisórias do período que vai do 25 de abril de 1974 até à
entrada em vigor da CRP (
[158]
).
As
normas que podem ser objecto da fiscalização abstracta sucessiva têm de ser normas perfeitas, isto é, normas inseridas em
diplomas em relação aos quais o processo legislativo já se completou plenamente (
[159]
).
No mesmo requerimento, podem
cumular-se vários pedidos quanto a diferentes normas, constantes de diplomas
diversos - designadamente, normas revogadas que seriam
repristinadas no caso de declaração com força obrigatória geral da
inconstitucionalidade ou ilegalidade das normas
revogatórias (
[160]
).
3. Órgão de controlo da
constitucionalidade
Enquanto
na fiscalização concreta intervêm os tribunais em geral e o Tribunal
Constitucional, a fiscalização
abstracta é reservada, naturalmente, a este último: só
ele, pois, intervém, como única instância, nessa
modalidade. Além disso, enquanto na fiscalização concreta o Tribunal
Constitucional, em regra, julga em secção os recursos para ele interpostos (
[161]
), na fiscalização abstracta - atentos os efeitos
da decisão - julga em plenário [com a necessária intervenção, portanto, de todos os seus Juízes (
[162]
)], nos termos do artigo 224º, nº 2, CRP.
4. Questões formais de acesso
ao processo
Para
que se possa pretender uma decisão do Tribunal Constitucional necessário se torna que haja interesse
processual nessa decisão. O interesse processual é,
assim, um requisito que vale também no controlo abstracto da constitucionalidade.
Os
problemas principais colocam-se na fiscalização abstracta sucessiva. Como, nos termos do
artigo 282º, nº 1, CRP, a declaração de inconstitucionalidade tem, em regra, uma eficácia
invalidante (ex tunc), destruindo todos os efeitos produzidos medio
tempore que se não tenham consolidado (
[163]
), e não apenas uma mera eficácia revogatória (ex
nunc), há, em regra, como o Tribunal tem abundantemente
repetido, interesse
em conhecer da constitucionalidade de uma norma, mesmo revogada ou caduca,
sempre que a mesma seja suporte de efeitos jurídicos carecidos de ser
eliminados, por não se haverem ainda consolidado por caso julgado.
Já não será,
no entanto, assim, se, para esse efeito, for excessivo lançar mão de um tal instrumento
processual, por serem suficientes os meios individuais e concretos de defesa. Como, segundo o nº 4 do
referido artigo 282º, o Tribunal pode, com base em exigências da "segurança
jurídica, razões de equidade ou de interesse público de excepcional
relevo", declarar a inconstitucionalidade com efeitos mais restritos do
que os da eficácia invalidante, nomeadamente salvaguardando todos os efeitos
produzidos pela lei medio tempore (o que equivale a
declarar a inconstitucionalidade com efeitos apenas ex nunc), não há,
nesse caso, interesse em conhecer da constitucionalidade de uma norma revogada ou caduca,
sempre que o TC, num juízo prévio, conclua que se trata de um daqueles casos em
que, a concluir-se pela inconstitucionalidade, seria de salvaguardar os efeitos
já produzidos: o Tribunal “antecipa” uma eventual
declaração de inconstitucionalidade e entende que sempre deveria limitar os
seus efeitos, nos termos do artigo 282º, nº 4, CRP. Nesse caso, o conhecimento
do pedido torna-se inútil: se o Tribunal viesse, porventura, a declarar a
inconstitucionalidade, limitando os seus efeitos, essa declaração nunca poderia
valer para o passado - porque, por um lado, não serviria para obstar às eventuais aplicações
da norma que
tivessem ocorrido e não tivessem sido judicialmente impugnados ou o houvessem sido,
mas já existisse sentença transitada (artº 282º, nº 3, CRP)
(
[164]
), e, por outro, o Tribunal havia decidido limitar os seus
efeitos - nem para o presente
ou futuro (porque a norma já se encontraria revogada) (
[165]
).
Note-se
que o "princípio do pedido" (artigo 51º, nº 5, LTC), impede, nos termos da
repetida jurisprudência do Tribunal, que
ele proceda à "convolação" do objecto do
pedido na norma
que substitui a norma revogada.
O
Tribunal firmou, a este respeito, uma interpretação "rígida" desse
princípio (
[166]
). Esta posição jurisprudencial - segundo a qual é suficiente uma pequena mudança no suporte normativo de normas
que se mantêm substancialmente inalteradas para se não poder conhecer do pedido
de declaração da sua inconstitucionalidade na sua nova versão (rectius,
no seu novo suporte normativo) -,
significa, na prática, o reconhecimento de que cai sobre as entidades com
legitimidade processual activa na fiscalização abstracta sucessiva da
constitucionalidade, cada vez que as normas objecto de um pedido de
fiscalização abstracta sucessiva sofrem qualquer alteração - por pequena que
seja -, o ónus de analisar juridicamente do alcance dessa alteração para o
sucesso do seu pedido e, se for o caso e o pretendam, de apresentar - a todo o
tempo - ao Tribunal pedido complementar
de apreciação da constitucionalidade daquelas na sua nova versão (
[167]
), assim obviando a que o legislador possa
"inutilizar" a fiscalização abstracta sucessiva da
constitucionalidade com uma mera renumeração dos preceitos legais em crise, sem
alterar a sua substância.
Note-se
ainda que o Tribunal não tem que interpretar literalmente os pedidos, podendo restringi-los ou
alargá-los (quando eles se não afigurem isentos de obscuridades) tendo em conta
os dados que se recolham da argumentação expendida pelos requerentes.
Os pedidos de declaração de inconstitucionalidade que fazem referência a uma lei no seu todo mas não a determinadas
normas desta não devem ser admitidos,
se os requerentes, depois de
notificados para esse efeito, não tiverem suprido essa
deficiência - falta de especificação das normas (
[168]
).
A
existência de decisão anterior
sobre a questão apresentada ao Tribunal não impede a apreciação
do pedido, excepto se ela tiver declarado com força obrigatória
geral a inconstitucionalidade da norma. Se, ao invés, a
decisão anterior não tiver “força obrigatória geral”, o Tribunal Constitucional
pode voltar a apreciar as normas - inclusivamente a pedido do mesmo requerente (
[169]
) -, e até decidir em sentido contrário.
5.
Tramitação do
processo
O prazo para requerer a apreciação
preventiva da constitucionalidade é de oito dias (artigo 278º, nºs 3 e 6, CRP) (
[170]
) e, nos termos do artigo
278º, nº 8, CRP, o Tribunal tem de se pronunciar no prazo de vinte e cinco
dias. O Presidente da República, quando seja ele o requerente, pode encurtar este prazo, por motivo
de urgência (
[171]
).
Na
fiscalização abstracta sucessiva não há qualquer prazo para apresentação do
pedido. Ou seja: o pedido pode ser apresentado a todo o tempo, independentemente do período de vigência da norma
em causa - artigo 62º, nº 1, LTC (
[172]
).
Os
pedidos de fiscalização abstracta, preventiva ou sucessiva, são dirigidos ao
Presidente do Tribunal e devem especificar as normas cuja apreciação se requer
e as normas ou princípios constitucionais (ou legais, no caso da fiscalização
sucessiva) violados (artigo 51º, nº 1, LTC).
O
Presidente pode convidar o autor do pedido para suprir a falta ou insuficiente
cumprimento deste dever de especificação (artigo 51, nº 3, LTC).
Recebida
a resposta a este convite, se ele tiver sido feito, o Presidente decide sobre a
admissão do pedido. Se entender que não deve ser admitido (por falta de
legitimidade ou por incumprimento do dever de especificação, ou também, na
fiscalização preventiva, por apresentação fora de prazo - artigo 52º, nº 1, LTC), o Presidente submete o
processo ao plenário, que deverá decidir no prazo de 10 dias (2, no caso da
fiscalização preventiva) - artigo 52º, nºs 2 e 3, LTC.
Se
admitir o pedido (decisão que não impede o Tribunal de o vir rejeitar
definitivamente - artigo 51º, nºs 2 e 4, LTC), o Presidente notifica o órgão
autor da norma impugnada (
[173]
) para se pronunciar no prazo de 30 dias (3, no
caso de fiscalização preventiva) - artigo 54º, LTC.
Na
fiscalização preventiva, o processo é distribuído a um Juiz relator no prazo de
1 dia a contar da entrada do pedido, o qual deve, em 5 dias, elaborar um memorando (tendo em conta também a
resposta do autor da norma que entretanto lhe é comunicada) contendo o
enunciado das questões a que o Tribunal deve dar resposta e a solução que para
elas é proposta, acompanhada dos seus fundamentos; a todos os outros Juízes são
imediatamente também entregues cópias de todo o processo e do memorando do
relator (artigo 58º LTC).
O
plenário deverá reunir no prazo de 10 dias a contar da entrada do pedido, mas a
decisão não pode ser proferida antes de decorridos dois dias sobre a entrega do
memorando a todos os juízes. Tomada a decisão, o relator (ou, se este ficar
vencido, outro juiz) terá 7 dias para elaboração e apresentação do acórdão para
a sua subsequente assinatura (artigo 59º, LTC).
Note-se
que o Tribunal tem sempre cumprido escrupulosamente os prazos apertados a que a
tramitação na fiscalização preventiva, como vemos, obedece.
Realce-se
ainda que a desistência do pedido é admissível nos processos de fiscalização
preventiva (artigo 53º LTC).
Na
fiscalização abstracta sucessiva, recebida a resposta do autor da norma é
entregue cópia de todo o processo aos Juízes acompanhada de um memorando do
Presidente - onde são formuladas as "questões prévias e de fundo a
que o Tribunal há-de responder" - e de quaisquer "elementos documentais
reputados de interesse". O referido memorando (para cuja elaboração não
foi definido nenhum prazo) é discutido no plenário (que só poderá reunir para
esse efeito depois de decorridos 15 dias sobre a sua entrega), e, uma vez
fixada "a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver", o
processo é distribuído a um relator sorteado ou, se o Tribunal assim o
deliberar, designado pelo Presidente (artigo 63º LTC).
O
relator tem 40 dias para elaborar, "de harmonia com a orientação fixada
pelo Tribunal", projecto de acórdão, que será discutido e assinado em
plenário a realizar pelo menos 15 dias depois da apresentação desse projecto
(artigo 65º, nºs 1 e 2, LTC) (
[174]
).
Realce-se
ainda que a lei prevê um mecanismo de "aceleração processual" de
processos de fiscalização abstracta sucessiva (
[175]
): se o requerente o solicitar fundamentadamente, e
se o órgão autor da norma concordar, o Presidente, ouvido o Tribunal, pode atribuir "prioridade à apreciação e decisão do
processo" (cf. artigo 65º, nº 4, LTC) (
[176]
).
Das
decisões em plenário, não há, obviamente, recurso.
Note-se ainda que a apresentação
de um pedido de fiscalização abstracta sucessiva não suspende a vigência das
normas objecto desse pedido. Nem o Tribunal a pode decretar. A
este propósito, refira-se a questão que o Tribunal resolveu no Acórdão nº
200/98. O Supremo Tribunal de Justiça
(STJ), após tomar conhecimento de que se encontrava pendente no Tribunal
Constitucional um pedido de fiscalização abstracta sucessiva da
constitucionalidade de uma lei de amnistia aplicável aos arguidos em
determinado processo penal, decidiu suspender esse processo até à decisão do
Tribunal Constitucional no referido processo de fiscalização abstracta.
Fundamentou essa decisão no entendimento de que a decisão de
constitucionalidade consubstanciaria uma questão prejudicial relativamente à
decisão do recurso a correr termos no STJ. O Tribunal Constitucional julgou
inconstitucional a norma que tinha servido de fundamento à decisão do STJ (e
revogou esta decisão), quando interpretada "no sentido de qualificar como 'acção' em que se controverte 'questão
prejudicial própria' (relativamente à infracção que é objecto de processo penal
perante os tribunais judiciais) o processo de fiscalização abstracta sucessiva
pendente no Tribunal Constitucional, em que vem suscitada a questão da
inconstitucionalidade da Lei que decretou uma amnistia aplicável aos arguidos
naquela causa". Segundo o Tribunal, a interpretação realizada pelo STJ "esvazia de conteúdo o (...) poder‑dever
dos tribunais de apreciarem a conformidade à Constituição das normas aplicáveis
aos pleitos submetidos a juízo", "subverte verdadeiramente o sistema
de fiscalização de constitucionalidade desenhado pela Constituição
portuguesa" e "consagraria ainda um efeito do processo de
fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade não previsto pelo
artigo 282º da Constituição, pois que, de acordo com tal interpretação, a
pendência do processo passaria a afectar a aplicabilidade da norma em causa".
O
Tribunal encontra-se vinculado pelo princípio do pedido, não podendo conhecer
da constitucionalidade de normas que não integrem o objecto do pedido. No
entanto, pode fazê-lo "com fundamentação na violação de normas ou
princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada"
(artigo 51º, nº 5, LTC). Ou seja, o princípio do pedido limita os poderes de
cognição do Tribunal quanto ao pedido, mas já não quanto à causa de pedir.
Na
fiscalização abstracta não há, logicamente, custas.
6.
Debate e publicação
Também
os processos de fiscalização abstracta são exclusivamente escritos, obedecendo
à tramitação que ficou descrita. Não há audiências públicas, e a única entidade
a ser ouvida é o órgão autor da norma impugnada. No entanto, o Tribunal tem
recebido algumas vezes pareceres das mais diversas entidades, fazendo-os juntar
aos autos e distribuir pelos seus membros: esta prática fundamenta-se
claramente no artigo 64º-A da LTC ("O presidente do Tribunal, o relator ou
o próprio Tribunal podem requisitar a quaisquer órgãos ou entidades os
elementos que julguem necessários ou convenientes para a apreciação do pedido e
a decisão do processo") e nos poderes inquisitivos que aí se conferem ao
Tribunal (
[177]
).
As decisões do Tribunal são
tomadas por maioria de voto dos juízes presentes, dispondo cada juiz de um voto
(artigo 42º, nºs. 2 e 3, LTC) (
[178]
). Note-se que a votação incide sobre as diversas questões
sobre as quais o Tribunal se deve pronunciar (
[179]
), e que o Tribunal tem
entendido (embora o artigo 42º LTC não o estabeleça expressamente) que deve formar-se
maioria não apenas quanto à decisão, mas também quanto à fundamentação (
[180]
). O que significa que, por exemplo, se 5 juízes
entendem que certa norma é apenas organicamente inconstitucional, outros 5
julgam que é apenas materialmente inconstitucional e 3 consideram que não há
qualquer inconstitucionalidade, como esses dois tipos de inconstitucionalidade
se não podem somar, não chega a formar-se maioria quanto à fundamentação,
acabando o Tribunal por decidir, a final, pela não inconstitucionalidade (
[181]
).
Sendo o Tribunal Constitucional
composto por um número ímpar de 13 juízes, raras são as ocasiões em que se
verificam empates na votação. Ainda assim, esse risco não é completamente
eliminado. Por um lado, porque nem sempre é possível assegurar a presença de
todos os juízes em todas as sessões do Tribunal, bastando a ausência de um só
juiz para criar, de imediato, o risco de empate. Por outro lado, porque nem
sempre os lugares de juízes se encontram todos preenchidos. Para obviar aos
eventuais impasses criados por empates nas votações dos acórdãos, a LTC atribui
ao Presidente do Tribunal - ou ao Vice-Presidente, quando o substitua - voto de qualidade, quer no plenário, quer em secção (artigo 42º, nº 3, LTC).
Deve, salientar-se, no entanto, que raras vezes o Presidente foi obrigado a
lançar mão do seu voto de qualidade.
Assinale-se, a este propósito, que
não existe qualquer decisão do Tribunal Constitucional que, segundo a
Constituição ou a lei, deva ser tomada por unanimidade.
A prática revela, no entanto, um
elevado consenso no interior do Tribunal, bastando referir, a título de
exemplo, que cerca de 56% dos acórdãos tirados em processos de fiscalização
abstracta sucessiva, nos anos de 1983 a 1992, foram votados por unanimidade. Os
dados da fiscalização concreta, por seu turno, revelam ainda maior consenso no
seio do corpo de juízes do Tribunal Constitucional.
Por último, deve notar-se que os juízes podem formular
votos de vencido (dissenting opinions) (artigo 42º, nº 4, LTC) e declarações de voto quanto à
fundamentação (concurring opinions).
As
decisões do Tribunal em fiscalização abstracta sucessiva são publicadas no Diário
da República (Jornal Oficial). Na
1ª série, as decisões de acolhimento da questão de constitucionalidade, e na 2ª
série as restantes - artigo 119º, nº 1, g), CRP), e artigo 3º, LTC. Note-se que é a publicação
oficial da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral que
determina o momento a partir da qual a norma inconstitucionalizada desaparece
do ordenamento jurídico. Os acórdãos do Tribunal com interesse doutrinário (o
que, no caso da fiscalização abstracta, significa todos, em regra) são ainda
publicados no Boletim do Ministério da Justiça e na colectânea oficial de Acórdãos do Tribunal
Constitucional (artigo 115º, LTC).
7. Decisão e seus
efeitos
Na
fiscalização preventiva, para além das decisões de natureza processual (v.g. não conhecimento do
pedido), o Tribunal pode proferir uma de duas decisões em relação a cada
uma das normas (ou segmentos de norma) que integram o pedido: pronunciar-se
pela inconstitucionalidade ou não se pronunciar pela inconstitucionalidade.
No
caso de o Tribunal se pronunciar pela inconstitucionalidade, o Presidente da
República (ou o Ministro da
República) é
obrigado a usar o veto (por inconstitucionalidade) e a devolver o
diploma ao órgão que o tiver aprovado. O diploma não poderá ser promulgado ou
assinado sem que o órgão que o tiver aprovado expurgue a norma julgada
inconstitucional. Tratando-se, porém, de um diploma da Assembleia da República, pode esta
confirmá-lo (
[182]
) por maioria de 2/3 dos deputados presentes, desde que
superior à maioria absoluta dos deputados (cf. artigo 279º, nºs 2 e 4). Se o diploma vier a ser reformulado, poderá o Presidente da República ou o
Ministro da República, conforme os casos, requerer a apreciação preventiva da
constitucionalidade de qualquer das suas normas.
Na fiscalização abstracta sucessiva, a decisão do Tribunal
Constitucional pode ser positiva (declaração de inconstitucionalidade ou
ilegalidade, com força obrigatória geral) ou negativa (rejeição da
inconstitucionalidade ou da ilegalidade).
As decisões de
rejeição da questão de inconstitucionalidade não fazem caso julgado,
podendo a mesma questão de constitucionalidade (ou ilegalidade) ser recolocada
no futuro, quer em termos de fiscalização abstracta, quer em termos de
fiscalização concreta. É que ao
Tribunal Constitucional é atribuída competência para apreciar e declarar (ou
não) a inconstitucionalidade e não para declarar a constitucionalidade de
normas jurídicas ou para emitir uma declaração positiva da sua conformidade com
a Constituição. As decisões de não declaração de inconstitucionalidade de uma
norma jurídica não têm, assim, efeito preclusivo da
possibilidade de ser novamente solicitada ao Tribunal Constitucional a
apreciação e declaração da inconstitucionalidade da norma anteriormente não
declarada inconstitucional (
[183]
).
As
declarações de inconstitucionalidade proferidas na fiscalização abstracta
sucessiva têm força obrigatória geral (efeitos erga omnes) e traduzem-se na eliminação da norma do ordenamento
jurídico.
Quanto
à questão dos
efeitos temporais destas decisões, há que dizer que a declaração de
inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral, tem
eficácia ex tunc (efeitos retroactivos), ou seja, produz
efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional (CRP,
artigo 282º, nº 1). E, tratando-se de declaração de inconstitucionalidade (ou
de ilegalidade), com força obrigatória geral, de normas revogatórias, implica automaticamente
(
[184]
) a repristinação das normas
revogadas (CRP, artigo 282º, nº 1).
Quando a inconstitucionalidade ou
a ilegalidade sejam supervenientes - ou seja, quando se trate da violação de
uma norma constitucional ou de uma norma legal que tenha entrado em vigor posteriormente à
emissão da norma sob controlo -, a declaração só produz efeitos a partir da
data da entrada em vigor da norma constitucional ou legal violada (CRP, artigo
282º, nº 2).
Em qualquer hipótese, ficam
ressalvados os casos julgados (ressalva geral e
automática), salvo se o Tribunal decidir (declarando-o expressamente) em sentido
diverso (afastando esta excepção e aplicando-se assim o
regime regra dos efeitos retroactivos), quando a norma
respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e
for de conteúdo menos favorável ao arguido (CRP, artigo 282º, nº 3), em comparação
com a norma ou normas a repristinar (cf. artigo 282º, nº 1, CRP).
Discute-se na doutrina e na
jurisprudência qual o alcance, neste contexto, da expressão “caso julgado”:
abrangerá apenas as decisões judiciais transitadas em julgado (ou seja, já não
susceptíveis de recurso) ou também incluirá outras decisões de órgãos públicos
definitivamente firmadas na ordem jurídica, nomeadamente actos administrativos
definitivamente consolidados (por já não serem susceptíveis de impugnação)? (
[185]
). Seja como for, o Tribunal Constitucional tem ao seu
alcance um outro instrumento para “reduzir” ou “minorar” os efeitos das suas
declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral: nomeadamente,
mas não só, para as não “aplicar” a decisões administrativas definitivas (“caso
decidido”). Trata-se do artigo 282º, nº 4, CRP.
Neste
preceito, permite-se que o Tribunal restrinja o alcance dos
efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade, quando tal for exigido pela segurança jurídica, por razões de equidade ou por razões de interesse
público de excepcional relevo. A restrição de
efeitos deverá ser devidamente fundamentada. Este preceito significa
assim a atribuição ao TC de um amplo poder
discricionário (delimitado pelos fins definidos no artigo
282º, nº 4, CRP) de
“modelação” dos efeitos das declarações de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral, afastando-os do regime previsto nos números anteriores desse
artigo, de forma a prevenir possíveis efeitos
"perversos" dessas declarações.
Esse
afastamento pode consistir, por exemplo, na determinação de que a decisão não
tenha efeito repristinatório (
[186]
) - por as eventuais normas a repristinar também se
apresentarem como inconstitucionais -, ou só produza efeitos a partir da
publicação oficial da decisão do Tribunal (ex nunc) (
[187]
).
Note-se contudo, que nunca até
hoje o TC diferiu para o futuro os efeitos das decisões de
inconstitucionalidade, em termos de a produção desses efeitos só ter o seu
início num qualquer momento posterior ao da referida publicação. Esta posição
jurisprudencial está aliás de acordo com o que sustenta a maior parte da
doutrina – senão a sua totalidade – quanto às possibilidades
acolhidas no nº 4 do artigo 282º (
[188]
).
Realce-se
ainda, porém, que nem sempre o Tribunal encontrou razões para proceder à
limitação de efeitos das suas declarações de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral, mesmo quando solicitado expressamente para tal
(
[189]
).
[1]
Lei nº 28/82, de 15 de
novembro, alterada pelas Leis nºs. 143/85, de 26 de novembro, 85/89, de 7 de
setembro, 88/95, de 1 de setembro, e 13-A/98, de 26 de fevereiro.
[2]
Nos termos do artigo
112º, nº 3 da CRP, têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que
carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por
força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou
que por outras devam ser respeitadas.
[3]
Nos termos do artigo
112º, nº 5 da CRP, são leis gerais da República as leis e os decretos-leis cuja
razão de ser envolva a sua aplicação a todo o território nacional e assim o
decretem.
[4]
O artigo 280º, nº 5, da
CRP, e o 70º, nº 1, alínea g), da LTC contemplam ainda o recurso das decisões judiciais
que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo
próprio Tribunal Constituicional. O artigo 70º, nº 1, alínea h), da LTC prevê o recurso
das decisões judiciais que apliquem norma já anteriormente julgada
inconstitucional pela Comissão Constitucional, nos precisos termos em que seja
requerida a sua apreciação ao Tribunal Constitucional.
[5]
Cf.. o artigo 163º, alínea i), CRP, e o artigo 19º
LTC.
[6]
Esta regra foi
introduzida na revisão
constitucional de 1997. Antes, o mandato era de seis anos, renovável (possibilidade que foi salvaguardada,
transitoriamente, quanto aos juízes em funções à data da alteração).
[7]
Cf. J. M. Cardoso da
Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 2ª ed. revista e actualizada,
Coimbra, 1992, pp. 14ss.
[8]
Em virtude do
preceituado no artigo 21º, nº 1, LTC, segundo o qual os juízes só cessam
funções com a posse do juiz designado para ocupar o respectivo lugar, o período
de exercício pode prolongar-se, na prática, por mais de que o tempo “legal” do
mandato. Assim aconteceu, designadamente, com 11 dos juízes cujo mandato
(então, de seis anos) terminou em 1995, mas se mantiveram em funções, nos
termos da cláusula de prorrogatio do artigo citado, até março de 1998.
[9]
Entre outras, o saldo da
gerência do ano anterior e o produto de custas e multas (ver artigo 47º-B LTC).
[10]
Cf. igualmente o nº 4 do
artigo 280º da CRP.
[11]
Cf., neste sentido,
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo II, 3ª ed., Coimbra, 1991,
p. 450.
[12]
Sobre a legitimidade das
pessoas colectivas e dos estrangeiros, cf. o Relatório português à II
Conferência da Justiça Constitucional da Ibero-América, Portugal e Espanha, policop., pp. 32 e ss..
[13]
Cf. Guilherme da Fonseca
e Inês Domingos, Breviário de direito processual constitucional, Coimbra, 1997, p. 18
(autores que, no entanto, se questionam sobre se o Ministério Público pode
interpor esse recurso quando não é parte na causa); cf. ainda Mário Torres,
“Legitimidade para o recurso de constitucionalidade”, Revista de Direito
Público,
ano VII, nº 13, p. 20 [considerando que “a noção de parte não pode ser
restritivamente reconduzida à noção de ‘parte principal’ do processo civil,
antes deve ser utilizada como abrangendo todo e qualquer interveniente
processual que (...) tenha legitimidade para suscitar perante o tribunal ‘a
quo’ a
questão de inconstitucionalidade da norma que veio a ser aplicada na decisão
recorrida”].
[14]
Cf. acórdãos nºs.
636/94, 171/95 ou 1187/96.
[15]
Cf. o acórdão nº 57/99.
[16]
É ainda obrigatório para
o Ministério Público, se intervier no processo como recorrente ou recorrido, o
recurso para o plenário a que se refere o artigo 79º-D da LTC.
[17]
A generalidade da
doutrina concebe o recurso obrigatório do Ministério Público nesta situação
(recusa de aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade) como
uma emanação de um princípio de favor legis; contudo, esta ideia foi
contestada recentemente (cf. Rui Medeiros, A decisão de
inconstitucionalidade. Os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de
inconstitucionalidade da lei, Lisboa, 1999, pp. 70ss.).
[18]
Esta jurisprudência foi
firmada numa altura em que o Tribunal possuía apenas duas secções, mas
aplica-se mutatis mutandis à configuração actual do Tribunal, que prevê a
existência de três secções (cf. o artigo 41º, nº 1 da LTC, na redacção
introduzida pela Lei nº 13-A/98, de 26 de fevereiro).
[19]
Cf. os acórdãos nºs.
230/87, 239/87, 248/87, 291/87, 306/87, 389/87 e 390/87.
[20]
Cf. o acórdão nº 90/97.
[21]
Cf. o acórdão nº 373/89.
[22]
Cf. os acórdãos nºs.
3/83 e 100/85.
[23]
Cf., sobre este
problema, o acórdão nº 3/83.
[24]
Cf., por exemplo, os
acórdãos nºs. 194/87, 670/94, 126/95, 521/95 ou 366/96.
[25]
Cf., por exemplo, os
acórdãos nºs. 62/85, 90/85, 194/87, 46/88, 492/88, 273/90, 417/91, 164/92,
670/94, 126/95, 521/95 ou 366/96.
[26]
Cf. o acórdão nº 144/92.
[27]
Cf. o acórdão nº 334/92.
[28]
Cf. os acórdãos nºs.
69/85, 339/86, 70/88, 38/90, 20/91, 205/92.
[29]
Cf. os acórdãos nºs.
122/84, 250/86, 62/88, 431/89, 205/90, 324/92.
[30]
Cf., a este propósito,
Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, Breviário..., cit., pp. 46ss.
[31]
Cf. os acórdãos nºs.
136/85, 47/90, 51/90 e 54/91.
[32]
Cf. o acórdão nº 94/88.
Neste caso, a norma cuja inconstitucionalidade se questionava foi publicada
depois da última intervenção processual do recorrente e antes de proferida a
decisão.
[33]
Cf. os acórdãos nºs.
61/92, 188/93, 181/96, 569/95 e 596/96. É o caso, por exemplo, em que o
recorrente se viu confrontado com uma interpretação de todo em todo “anómala”
ou “insólita” da norma, com a qual razoavelmente não podia contar: tendo sido
surpreendido por essa interpretação, é compreensível que lhe não seja exigível
suscitar antecipadamente a sua inconstitucionalidade. Mas e se, porventura, uma
norma for alvo de várias interpretações (discutidas, por exemplo, na doutrina
ou na jurisprudência)? Neste caso, se essas interpretações não forem
“surpreendentes”, “insólitas” ou “desconhecidas”, o Tribunal considera que o
recorrente tem o ónus de fazer um juízo de prognose e suscitar antecipadamente
a questão de constitucionalidade. Segundo uma jurisprudência uniforme e
reiterada do Tribunal, recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas
possibilidades interpretativas susceptíveis de virem a ser seguidas e
utilizadas na decisão e adoptarem as necessárias precauções, de modo a poderem,
em conformidade com a orientação processual considerada mais adequada,
salvaguardar a defesa dos seus direitos (cf., por exemplo, os acórdãos nºs.
479/89, 439/91,40/92, 118/92, 291/92, 263/92, 116/93, 605/94, 35/95, 38/95,
134/95, 367/96 ou 595/96). Algumas decisões do Tribunal já foram criticadas
pela doutrina por supostamente exigirem uma conduta “supercautelosa” aos
recorrentes - cf. Inês Domingos e Margarida Menéres Pimentel, "O recurso
de constitucionalidade (espécies e respectivos pressupostos)", in AA.VV, Estudos
sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa, 1993, pp. 448ss.
[34]
Cf. os acórdãos nºs.
94/88 e 391/88.
[35]
Cf. o acórdão nº 461/91.
O artigo 75º-A, nº 5 da LTC prevê que, se o requerimento de interposição do
recurso não contiver todos os elementos exigidos, o juiz convidará o recorrente
a indicar os elementos em falta.
[36]
Cf. o acórdão nº 2/96.
[37]
Cf., por exemplo, os
acórdãos nºs. 106/92, 612/94 e 342/95.
[38]
Cf., por exemplo, os
acórdãos nºs. 468/91, 469/91, 182/95.
[39]
Cf. os acórdãos nºs.
232/92, 280/92, 281/92.
[40]
Como referiu o acórdão
nº 86/90, “o julgamento da questão de constitucionalidade desempenha sempre uma
função instrumental, só se justificando que a ele se proceda se o mesmo tiver
utilidade para a decisão da questão de fundo. Ou seja: o sentido do julgamento
da questão da constitucionalidade há-de ser susceptível de influir na decisão
da questão, pois de contrário estar-se-ia a decidir uma questão académica”. A
jurisprudência do Tribunal a este respeito é abundantíssima; por mais recentes,
cf. os acórdãos nºs. 114/99, 358/99, 378/99, 480/99 ou 490/99.
[41]
Cf. os acórdãos nºs.
307/89, 324/94, 339/94 e 590/94.
[42]
Cf. o acórdão nº 272/94.
[43]
Recentemente, um Autor
veio considerar que o sistema português de controlo da constitucionalidade se
encontra excessivamente dominado pelo Tribunal Constitucional e propôs uma
revalorização dos “elementos difusos” desse sistema e do papel dos outros
tribunais na garantia da Constituição (cf. Rui Medeiros, A decisão..., passim).
[44]
“Nos feitos submetidos a
julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na
Constituição ou os princípios nela consignados” - dispõe o artigo 204º da CRP.
[45]
A decisão deve provir de
um verdadeiro tribunal e não de um simples órgão de composição de conflitos
– cf. os acórdãos nºs. 211/86, 230/96 ou 389/96; na doutrina, J. J. Gomes
Canotilho, Direito Constitucional e teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p. 876.
[46]
Cf., neste sentido,
Armindo Ribeiro Mendes, I Conferência da Justiça Constitucional da
Ibero-América, Portugal e Espanha - Relatório de Portugal, separata do Boletim Documentação
e Direito Comparado, nº 71/72, 1997, p. 743; J. J. Gomes Canotilho e Vital
Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. revista e
actualizada, Coimbra, 1993, p. 1015; J. Miranda, Manual..., cit., p. 430.
[47]
Cf. acórdãos nºs. 211/86
e 266/86.
[48]
Cf. os acórdãos nºs.
214/90, 251/90 e 253/90. Refira-se que o Tribunal admitiu também a
recorribilidade das decisões de recusas de vistos do Tribunal de Contas de
Macau (cf. os acórdãos nºs. 75/95 e 76/95).
[49]
Cf. os acórdãos nºs.
151/85 e 267/91; v. ainda o acórdão nº 92/87.
[50]
Cf. o acórdão nº 466/95;
cf., na doutrina, J. Miranda, Manual..., cit., p. 449; J. J. Gomes
Canotilho, Direito Constitucional..., cit., p. 876.
[51]
Cf. os acórdãos nºs.
323/94 e 506/94; cf. o artigo 70º, nº 3 da LTC.
[52]
Cf. o acórdão nº
14/86.
[53]
Cf. a excepção da parte
final do nº 1 do artigo 83º da LTC e o nº 3 do mesmo artigo.
[54]
Esta exigência do nº 2
do artigo 83º da LTC deixou de fazer sentido após a publicação do Estatuto da
Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de março. Com
efeito, a partir da entrada em vigor desse Estatuto, todos os advogados
(incluindo os estagiários) podem advogar em qualquer jurisdição, tendo
desaparecido a exigência de um período de exercício da profissão (10 anos) para
advogar junto do Supremo Tribunal de Justiça.
[55]
Cf., entre outros, o
acórdão nº 294/97; existe uma abundante jurisprudência do Tribunal sobre
patrocínio obrigatório - cf., por exemplo, os acórdãos nºs. 245/97, 252/97,
332/97 ou 261/99.
[56]
Sobre este conceito, cf. supra II.2.1.1. Refira-se que o Tribunal não conheceu de um recurso de uma
desaplicação de uma norma de processo penal feita na declaração de voto de um
juiz de um tribunal colectivo, justamente por considerar que se não tratava de
uma “decisão judicial” (acórdão nº 62/95).
[57]
Sobre este conceito, cf. supra II.2.1.2.
[58]
Cf., por exemplo, os
acórdãos nºs. 13/83, 27/84, 399/89, 429/89, 481/94, 637/94 ou 16/96.
[59]
Cf. os acórdãos nºs.
13/83, 27/84 ou 429/89.
[60]
Cf. o acórdão nº 62/84.
[61]
Cf., por exemplo, os
acórdãos nºs. 341/87, 419/89,14/91,206/92 ou 379/96.
[62]
Cf., por exemplo, os
acórdãos nºs. 19/83, 146/85 ou 150/92.
[63]
Sobre este conceito, cf. supra II.2.1.1.
[64]
Sobre este conceito, cf. supra II.2.1.2.
[65]
A jurisprudência a este
propósito é numerosíssima; por mais recentes, cf. os acórdãos nºs. 467/99,
471/99 ou 477/99.
[66]
Sobre este conceito, cf. supra II.1.2.
[67]
Cf. o acórdão nº 501/94;
cf. Armindo Ribeiro Mendes, I Conferência..., cit., p. 745. A circunstância
de o recurso ser “manifestamente infundado” dá lugar à elaboração de uma
“decisão sumária” de não conhecimento do recurso, por parte do relator (LTC,
artigo 78º-A, nº 1).
[68]
Cf. o acórdão nº 373/89.
[69]
Cf. os acórdãos nºs.
162/88, 284/94, 364/96.
[70]
Cf. os acórdãos nºs.
82/92, 116/93 e 367/94.
[71]
Cf. os acórdãos nº
88/86, 47/90 ou 235/90.
[72]
Cf. o acórdão nº 318/90.
[73]
Cf. os acórdãos nºs.
176/88, 114/89, 51/92, 764/93, 612/94, 126/95, 178/95, 243/95, 305/90 ou
238/94; cf. infra II.6.
[74]
Cf. o acórdão nº 21/87.
Há quem considere que a exigência de exaustão dos recursos ordinários acarreta
um excessivo alongamento dos processos judiciais (cf. J. Miranda, Manual..., cit., p. 448, nota);
outros consideram, pelo contrário, que a solução é adequada, até por razões de
economia processual (cf. J. Matos Correia, R. Leite Pinto e F. Reboredo Seara, Direito
Constitucional português vigente. A fiscalização da constitucionalidade e da
legalidade, Lisboa, 1997, pp. 54-55).
[75]
Cf. os acórdãos nºs.
8/88 e 282/95.
[76]
Cf. Armindo Ribeiro
Mendes, I Conferência..., cit., p. 745, nota 110; Guilherme da Fonseca e Inês
Domingos, Breviário..., cit., pp. 52ss.; e os acórdãos nº s 181/93, 84/94,
214/94 e 411/94.
[77]
Cf., no entanto, o
artigo 75º, nº 2 da LTC.
[78]
Cf., neste sentido, os
acórdãos nºs. 402/93 e 462/94.
[79]
Essa decisão é susceptível
de reclamação para a conferência, nos termos do artigo 78º-B, nº 2, da LTC.
[80]
Cf. supra II. 2.1.1.
[81]
Neste sentido, já se
afirmou, por exemplo, que em Portugal “os juízes não são postos fora da Constituição” (cf. a intervenção
parlamentar do Deputado Vital Moreira, in Diário da Assembleia da República, II Série, de 27-3-1982,
p. 1330) ou que “justiça constitucional não é sinónimo de Tribunal
Constitucional, pois (...) cabe a todos os tribunais, sem excepção, enquanto
administram a justiça em nome do povo, serem também agentes privilegiados da
função da justiça constitucional” [cf. António Vitorino, “A justiça
constitucional - Notas sobre o futuro (possível?) da justiça constitucional”, Revista
do Ministério Público, ano VI, nº 12, pp. 9-10].
[82]
Cf. J. J. Gomes
Canotilho e Vital Moreira, Constituição..., cit., p. 975.
[83]
Refira-se que a revisão
constitucional de 1997 extingiu os tribunais militares em tempo de paz; o
artigo 213º da CRP prevê a constituição de tribunais militares durante a
vigência do estado de guerra, com competência para o julgamento de crimes de
natureza estritamente militar.
[84]
Nos termos do nº 2 do
artigo 224º da CRP, a lei pode determinar o funcionamento do Tribunal
Constitucional por secções, salvo para o efeito da fiscalização abstracta da
constitucionalidade e da legalidade. Antes da revisão constitucional de 1997, a
CRP determinava que as secções do Tribunal não fossem especializadas, o que
actualmente não sucede. No entanto, a LTC manteve a regra da não especialização
das secções.
[85]
Cf., neste sentido, J.
Miranda, Manual..., cit., p. 439; importa salientar, todavia, que não se
encontra consagrado um sistema de “mero incidente”. Como observa Gomes
Canotilho, “trata-se de um verdadeiro sistema de judicial review e não de um sistema de
‘mero incidente’ de inconstitucionalidade. Neste, o juiz a quo, levantado o incidente
de inconstitucionalidade, suspende os autos até à decisão da questão de
inconstitucionalidade. No primeiro, os juízes, ao terem ‘acesso directo à
constituição’ e pelo facto de o terem, julgam da constitucionalidade das
normas (‘direito de exame’) e decidem, com competência plena, as questões de
inconstitucionalidade, independentemente de recurso posterior para outros
tribunais superiores ou para o Tribunal Constitucional” (cf. J. J. Gomes
Canotilho, “Fiscalização da constitucionalidade e da legalidade”, in Dicionário
Jurídico da Administração Pública, vol. IV, Lisboa, 1991, p. 364).
[86]
Mais controverso é o
problema de saber se, no processo em que surge, a questão de constitucionalidade
se configura como uma questão prejudicial - em sentido afirmativo, J.
Miranda, Manual..., cit., p. 439; em sentido negativo, A. Rocha Marques, “O
Tribunal Constitucional e os outros tribunais: a execução das decisões do
Tribunal Constitucional”, in AA.VV., Estudos sobre a jurisprudência do
Tribunal Constitucional, cit., p. 461; cf., ainda, J. J. Gomes Canotilho, Direito
Constitucional..., cit., p. 878.
[87]
Cf. os acórdãos nºs.
605/94, 282/95, 521/95, 585/95, 20/96, 179/96.
[88]
Refira-se que, pelo
Decreto do Presidente da República nº 118-A/99, assinado em 17 de março, os
tribunais de Macau foram investidos na plenitude e exclusividade de jurisdição
a partir de 1 de junho de 1999.
[89]
Cf. Armindo Ribeiro
Mendes, I Conferência..., cit., p. 717; para um elenco mais detalhado, cf. J. J.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição..., cit., pp. 984ss. Estes
autores integram no elenco dos actos normativos sujeitos a fiscalização de
constitucionalidade: (1) as leis de revisão constitucional; (2) os instrumentos
de direito internacional; (3) as normas emitidas por organizações
internacionais de que Portugal faça parte; (4) os actos normativos do
Presidente da República; (5) os actos legislativos em geral; (6) as resoluções
normativas da Assembleia da República e das assembleias regionais; (7) os actos
normativos da Administração; (8) os regimentos das assembleias; (9) os
referendos; (10) os contratos e acordos colectivos de trabalho; (11) as normas
consuetudinárias; (12) os assentos dos tribunais superiores [e, actualmente, os
acórdãos uniformizadores de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça];
(13) as cláusulas compromissórias e os compromissos arbitrais; (14) os
estatutos e regulamentos das associações públicas; (15) as normas produzidas
por entidades privadas por devolução de entidades públicas; (16) as normas
emitidas pelos órgãos de governo próprio de Macau, mas apenas nos termos do
Estatuto Orgânico de Macau. Além disso, importa salientar que se encontram
sujeitas ao controlo as normas preconstitucionais, normas ainda não existentes
(na fiscalização preventiva), normas que já deixaram de estar em vigor (por
revogação ou caducidade), normas de eficácia suspensa e normas de direito
estrangeiro aplicáveis por efeito das regras de direito internacional privado;
cf., no mesmo sentido, , J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., cit., pp. 824ss.
[90]
Cf., por exemplo, os
acórdãos nºs. 26/85, 150/86, 63/91 ou 659/95; sobre este critério, cf., por
todos, a declaração de voto do Conselheiro Sousa e Brito no acórdão nº 172/93;
na doutrina, J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., cit., pp. 822ss.; cf. a
crítica ao conceito “funcional” de norma, por parte de J. Miranda, Manual..., cit., pp. 413ss., e de
Rui Medeiros, A decisão..., cit., pp. 90ss.
[91]
Cf., por último, F.
Alves Correia, “A justiça constitucional em Portugal e Espanha. Encontros e
divergências”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, nº 3891, p. 164.
[92]
Cf. os acórdãos nº 26/85
(normas de decretos-leis que extinguiam empresas públicas), nº 80/86 (norma que
restringe o preenchimento de um lugar de escrivão de direito a ajudantes de
escrivão constantes de uma lista nominativa e atribui a categoria de escrivão
de 1ª classe aos ajudantes de escrivão constantes da mesma lista), nº 157/88
(normas que criam duas empresas de transportes marítimos).
[93]
Cf. o acórdão nº 168/88.
[94]
Cf. os acórdãos nºs.
40/84, 8/87, 340/90, 359/91, 299/95. Resta saber se poderão ser objecto de
controlo os acórdãos proferidos nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B do
Código de Processo Civil revisto.
[95]
Cf. o acórdão nº 279/95.
[96]
Cf. acórdãos nºs. 150/86
e 264/98.
[97]
Cf. o acórdão nº 150/86.
[98]
Cf. o acórdão nº 63/91.
[99]
Cf. os acórdãos nºs.
392/89, 249/90 e 431/91.
[100]
Cf. os acórdãos nºs.
156/88 e 472/89.
[101]
Cf. Armindo Ribeiro
Mendes, I Conferência..., cit., p. 719.
[102]
Cf. Armindo Ribeiro
Mendes, I Conferência..., cit., p. 720.
[103]
Cf. acórdãos nºs. 604/94
e 362/95.
[104]
Cf., neste sentido, a
declaração de voto do Conselheiro Sousa e Brito no acórdão nº 172/93, na
doutrina, J. M. Cardoso da Costa, “O Tribunal Constitucional português e o
Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias”, in Ab Uno Ad Omnes –
75 Anos da Coimbra Editora, 1920-1995, Coimbra, 1998, pp. 1363ss.
[105]
Cf. J. M. Cardoso da
Costa, A jurisdição ..., cit., pp. 23-24. Na doutrina, Jorge Miranda admite
a arguição da inconstitucionalidade de actos políticos “portadores de vícios de
tal forma graves que da própria Constituição resulta serem juridicamente
inexistentes” (Manual..., cit., p. 415).
[106]
A jurisprudência do
Tribunal a este respeito é abundantíssima; citem-se, por mais recentes, os
acórdãos nºs. 403/99, 426/99, 439/99, 466/99 ou 489/99. No acórdão nº 413/94,
explicitou-se o sentido dessa jurisprudência: “(...) uma decisão judicial não é
uma norma, pelo menos no sentido em que o termo é usado pelo legislador
constituinte naquele artigo 280º. É certo que, desde o exame crítico a que
Kelsen sujeitou o sistema de conceitos usado pela teoria do direito, muitos
autores passaram a aceitar um alargamento da noção tradicional de norma. Seja
como for, porém, este Tribunal Constitucional tem uma jurisprudência reiterada
e unânime no sentido de que no artigo 280º da Constituição o termo ‘norma’ não
abrange as chamadas ‘normas jurisprudenciais’ (e muito menos as chamadas
‘normas doutrinárias’). Não cabe aí, portanto, recurso para a apreciação da
constitucionalidade de decisões judiciais propriamente ditas, mas sim e apenas
para a apreciação da constitucionalidade de normas gerais e abstractas”.
[107]
O Tribunal já admitiu,
no entanto, o controlo da constitucionalidade de actos administrativos contidos
em lei formal - cf. o acórdão nº 26/85.
[108]
O Tribunal vem
sustentando que escapam ao seu poder de cognição as normas provenientes da
autonomia privada, salvo quando decorrentes da atribuição de poderes ou funções
públicas a entidades privadas - cf. os acórdãos nºs. 156/88, 157/88 e 472/89.
[109]
As normas de um
regulamento de uma empresa pública sobre a prevenção e combate do alcoolismo
(acórdão nº 156/88); os estatutos de uma cooperativa (acórdão nº 92/94); as
normas de estatutos e de um regulamento disciplinar de uma federação desportiva
(acórdão nº 472/89).
[110]
Cf. o acórdão nº 172/93;
v. ainda os acórdãos nºs. 637/98 e 697/98. Na doutrina, Jorge Miranda apoia
este entendimento (cf. Manual..., cit., p. 417).
[111]
Cf. o acórdão nº 214/94.
Na doutrina, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira sustentam que as convenções
colectivas de trabalho são “normas” para efeitos de controlo de
constitucionalidade (cf. Constituição..., cit., pp. 984ss.; v., ainda, J.
J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., cit., pp. 826-827).
[112]
Cf. o acórdão nº 284/99.
[113]
Cf., por exemplo, os
acórdãos nºs. 106/92, 151/94, 238/94, 612/94, 243/95, 342/95 ou 18/96.
[114]
Cf. o acórdão nº 205/99
e a declaração de voto do Conselheiro Cardoso da Costa, considerando que nesse
caso se não estava já perante uma questão de inconstitucionalidade “normativa”.
[115]
Cf. o acórdão nº 143/85.
[116]
Cf. o acórdão nº 12/84.
[117]
Cf. L. Nunes de Almeida, A justiça constitucional no quadro das funções do Estado vista à luz das
espécies, conteúdo e efeitos das decisões sobre a constitucionalidade das
normas jurídicas, Lisboa, 1987, pp. 24-25.
[118]
Cf. Armindo Ribeiro
Mendes, I Conferência..., cit., p. 750.
[119]
Assim, o tribunal a
quo pode qualificar o vício como de
ilegalidade e o Tribunal entender que se trata de inconstitucionalidade (ou
vice-versa) ou pode qualificar o vício como de inconstitucionalidade material e
o Tribunal entender que se trata de inconstitucionalidade orgânica ou formal (e
vice-versa).
[120]
Dizemos que o Tribunal
pode “em princípio” revogar a decisão recorrida pois não é forçoso que isso
aconteça – cf. os acórdãos nºs. 810/93, 376/94, 407/94 e 410/94.
[121]
Cf. J. M. Cardoso da
Costa, A jurisdição..., cit., p. 57.
[122]
Cf., neste sentido, A.
Rocha Marques, “O Tribunal Constitucional...”, cit., pp. 453ss.; A. Monteiro
Diniz, “A fiscalização concreta de constitucionalidade como forma privilegiada
de dinamização do direito constitucional (o sistema vigente e o ir e vir
dialéctico entre o Tribunal Constitucional e os outros tribunais)”, in AA.VV., Legitimidade
e legitimação da justiça constitucional. Colóquio no 10º aniversário do
Tribunal Constitucional, Coimbra, 1995, pp. 199ss.
[123]
Cf., neste sentido, J.
J. Gomes Canotilho, No “sexénio” do Tribunal Constitucional português. Para
uma teoria pluralística da jurisdição constitucional no Estado constitucional
democrático português, separata da Revista do Ministério Público, Lisboa, 1988, pp.
25-27; Miguel Galvão Teles, “A competência da competência do Tribunal
Constitucional”, in AA.VV., Legitimidade..., cit., pp. 105ss., em esp. p.
125; Pedro Machete, O acesso dos cidadãos ao Tribunal Constitucional, policop., Lisboa, 1996,
p. 27.
[124]
Note-se que não há
recurso para o plenário quando essa divergência disser respeito a questões
processuais.
[125]
Cf. supra II.1.1.
[126]
Cf. o acórdão nº 57/99.
[127]
Cf. J. M. Cardoso da
Costa, A jurisdição..., cit., pp. 58-59.
[128]
Cf. Tribunal
Constitucional [publicação comemorativa do seu 10º aniversário], Lisboa, 1993.
[129]
Este risco tem sido
reconhecido pelos principais “actores” do nosso sistema judicial. Desde há
muito que o Presidente do Tribunal vem chamando a atenção para esse problema e
não deixou de o mencionar no discurso que proferiu na cerimónia comemorativa do
10º aniversário do Tribunal (cf. J. M. Cardoso da Costa, “Discurso de Sua
Excelência o Presidente do Tribunal Constitucional”, in AA.VV., Legitimidade..., cit., p. 27); num
encontro que realizou com a comunicação social em julho de 1994, onde chegou a
defender a necessidade de uma alteração da LTC para obviar aos recursos “sem
bases sólidas” (cf. Diário de Notícias, de 29-7-1994, p. 9; Correio
da Manhã, de 29-7-1994, p. 44; Jornal de Notícias, de 29-7-1994, p. 3; Expresso, de 30-7-1994, p. 13; O
Diabo,
de 2-8-1994, p. 13); e, bem assim, numa conferência na Faculdade de Direito de
Coimbra (cf.. J.M. Cardoso da Costa, "Algumas
reflexões em torno da justiça constitucional", in AA.VV, Perspectivas
do Direito no início do Século XXI, Coimbra, 1999, pp. 127-128). Também o Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, em entrevista ao Jornal de Notícias de 27-1-1996, deixou
afirmado: “Hoje, o TC está cheio de falsos recursos, que constituem sobretudo
meios dilatórios (...)”. E, numa conferência na Faculdade de Direito de
Coimbra, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Cardona Ferreira,
defendeu expressamente a "reformulação do sistema de recursos (e seus
efeitos) para o Tribunal Constitucional, com redução dos respectivos
pressupostos e tendencial eliminação do recurso de acórdão final do STJ
(podendo, em caso de recurso para o Supremo, este aguardar a prolação
interlocutória de acórdão do Tribunal Constitucional)" - cf. "A
Justiça nos Direitos Humanos", in AA.VV, Perspectivas..., cit.,
p. 159. Sobre a mesma temática, o Procurador-Geral da República, ao
intervir nas Conferências Sobre Processo Penal da Faculdade de Direito da
Universidade Católica (maio de 1996), considerou que o actual sistema de
recursos de constitucionalidade favorece os abusos e constitui um “factor de
entorpecimento processual” (cf. a notícia publicada in O Correio da Manhã, de 19-5-1996, p. 40;
cf. igualmente o discurso de Cunha Rodrigues na abertura do ano judicial in Jornal
de Notícias, de 24-1-1996, e a opinião de Jorge Miranda, “A actividade do Tribunal
Constitucional em 1993”, O Direito, ano 127º, 1995, p. 188). Na campanha eleitoral
para as eleições legislativas de 1999, alguns partidos apresentaram propostas
no sentido de reformulação do sistema de recursos para o Tribunal
Constitucional (assim, por exemplo, o Partido Socialista defendeu a necessidade
de se "limitar drasticamente a
possibilidade de uso meramente dilatório dos recursos de constitucionalidade e
outros, nomeadamente por revisão do seu efeito, quando suspensivo"
- cf. Programa de Governo 1999-2003, p. 119).
[130]
Cf. Inês Domingos e
Margarida Menéres Pimentel, “O recurso...”, cit., pp. 429-430.
[131]
Cf., neste sentido,
António de Araújo, O Tribunal Constitucional (1989-1996). Um estudo de
comportamento judicial, Coimbra, 1997, pp. 87-88.
[132]
Cf. J. M. Cardoso da
Costa, Comunicação à imprensa do Presidente do Tribunal Constitucional, policop., Lisboa, 1997,
pp. 4-5.
[133]
Cf. J. M. Cardoso da
Costa, Comunicação..., cit., p. 8.
[134]
Cf. J. M. Cardoso da
Costa, Comunicação..., cit., p. 16.
[135]
Cf. António de Araújo, O
Tribunal..., cit., p. 88, nota 150.
[136]
Cf. os acórdãos nºs.
762/96, 332/97, 57/98 ou 133/98.
[137]
Cf. António de Araújo, O
Tribunal..., cit., pp. 89ss.
[138]
Após a alteração
introduzida pela Lei nº 13-A/98, a existência de um “precedente” pode ser
motivo para o juiz relator elaborar uma “decisão sumária”, nos termos do artigo
78º-A, nº 1 da LTC.
[139]
Como refere Ribeiro
Mendes (I Conferência..., cit., p. 125), trata-se de uma orientação interna que
tem sido seguida pelo Tribunal a partir da alteração da LTC operada pela Lei nº
85/89, de 7 de setembro.
[140]
Cf. A. Rocha Marques, “O
Tribunal...”, cit., p. 493.
[141]
Cf., neste sentido,
Armindo Ribeiro Mendes, I Conferência..., cit., p. 745.
[142]
Dispõe o artigo 720º do
Código de Processo Civil: “1 – Se ao relator parecer manifesto que a
parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado
ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente, levará o
requerimento à conferência, podendo esta ordenar, sem prejuízo do disposto no
artigo 456º, que o respectivo incidente se processe em separado. 2 – O
disposto no número anterior é também aplicável aos casos em que a parte procure
obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes,
a ele posteriores, manifestamente infundados; neste caso, os autos prosseguirão
os seus termos no tribunal recorrido, anulando-se o processado, se a decisão
vier a ser modificada”.
[143]
Trata-se de uma mera possibilidade, uma vez
que pode existir reclamação da decisão sumária do relator. Nos termos dos nºs.
3 e 4 do artigo 78º-A da LTC, "da decisão sumária do relator pode
reclamar-se para a conferência, a qual é constituída pelo presidente ou pelo
vice-presidente, pelo relator e por outro juiz da respectiva secção, indicado
pelo pleno da secção em cada ano judicial" (nº 3); "A conferência
decide definitivamente as reclamações, quando houver unanimidade dos juízes
intervenientes, cabendo essa decisão ao pleno da secção quando não haja
unanimidade" (nº 4).
[144]
Não se aumentou o número
de juízes do Tribunal. Simplesmente, enquanto anteriormente o Presidente do
Tribunal presidia às duas secções, actualmente as secções podem ser presididas
pelo Vice-Presidente.
[145]
Leis que têm por objecto
certas matérias (eleições, referendo, Tribunal Constitucional, defesa, estado
de sítio, cidadania, direito de associação, sistema de informações, segredo de
Estado, finanças regionais e criação de regiões administrativas), seguem um processo
legislativo sujeito a algumas exigências especiais (nomeadamente, a exigência
de maioria absoluta) e beneficiam de uma legitimidade alargada no respeitante
ao controlo preventivo da constitucionalidade - v. os artigos 164º, 166º, nº 2,
168º, nºs. 4 e 5, e 278º, nº 4, CRP.
[146]
Saliente-se que a
revisão constitucional de 1997 aumentou sensivelmente o leque de matérias
submetidas à forma de lei orgânica, com a consequência, entre outras, de,
assim, se ter aumentado a capacidade de fiscalização a cargo da oposição
parlamentar a quem é reconhecida legitimidade processual activa na fiscalização
preventiva de leis orgânicas.
[147]
Note-se que já nos longínquos acórdãos nºs 7/83 e 8/83 o Tribunal firmou o entendimento
segundo o qual a competência atribuída ao Procurador-Geral da República para
requerer a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade de quaisquer
normas tem natureza eminentemente política,
devendo ser exercida pessoalmente. Assim, não conheceu de pedidos de declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral formulados pelo Procurador-Geral Adjunto no Tribunal
Constitucional por ilegitimidade deste.
[148]
Nos acórdãos
nºs. 5/83, 6/83 e 16/83,
o Tribunal não conheceu de pedidos de declaração de inconstitucionalidade com
força obrigatória geral, por falta de pedido
regular, já que o Presidente da
Assembleia da Republica se tinha limitado a ordenar a remessa ao Tribunal Constitucional de certos documentos - petição de certos cidadãos, num caso, e requerimento de um deputado,
noutro caso -, sem manifestar vontade de fazer seus os argumentos ali
apresentados, funcionando como simples "ponte" ou "elo de ligação" entre aqueles cidadãos ou deputados e o Tribunal, e não tendo, assim, assumido o
pedido, embora inicialmente formulado por terceiros, como próprio, aceitando
responsabilizar-se, sem margem para ambiguidades, quanto ao exercício da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 281º, nº 2, CRP.
[149]
Ver, supra, ponto II.7.
[150]
Ao contrário, como
vimos, do que se passa com os pedidos efectuados ao abrigo da alínea e) do nº 2 do artigo 281º
CRP, que têm de ser apresentados pessoalmente pelo Procurador-Geral da
República.
[151]
Refira-se que até ao
momento nenhum juiz do Tribunal tomou essa iniciativa, o que, aliás, vai ao
encontro do princípio ne judex procedat ex officio.
[152]
Cf.. J.J. Gomes Canotilho,
"Jurisdição constitucional e
intranquilidade discursiva", in J.
Miranda (org.), Perspectivas constitucionais: nos 20 anos da Constituição de
1976, vol. I, Coimbra Ed., 1996, pp. 880-882.
[153]
Cf. ponto II. 6.
[154]
Cf. artigo 112º, nº 3,
CRP. A razão de ser da extensão da competência
do Tribunal Constitucional ao controlo destas formas de legalidade "reforçada" residirá no
facto de esse controlo, apesar de ser de mera legalidade, incidir, de todo o
modo, sobre normas constantes de acto legislativo, cujo controlo abstracto
merece assim, aos olhos da Constituição, ser sempre realizado pelo órgão
jurisdicional criado pela Constituição para "administrar a justiça em
matérias de natureza jurídico-constitucional" (cf.. artigo 221º, CRP), já
que os conflitos entre normas legais que aqui estão em causa se apresentam em
primeira linha como conflitos jurídico-constitucionais, uma vez que convocam
essencialmente, para a sua resolução, a aplicação de normas constitucionais de
distribuição de competências legislativas.
[155]
Cf., neste sentido, o
acórdão nº 624/97.
[156]
Cf. o acórdão nº 1/92.
[157]
Cf. Jorge Miranda, “Nos
dez anos de funcionamento do Tribunal Constitucional”, in Legitimidade e
legitimação da justiça constitucional (Colóquio no 10º aniversário do Tribunal
Constitucional), Coimbra, 1995, p. 99 e ss.. Também
na revisão constitucional de 1997 foi proposto pelo PCP sem sucesso o
alargamento da fiscalização da constitucionalidade aos actos políticos. Sobre
esta proposta, cf.., apoiando-a, embora defendendo a identificação clara dos
actos políticos impugnáveis, A. Sousa Pinheiro e M. J. Brito Fernandes, Comentário
à IV Revisão Constitucional, AAFDL, Lisboa, 1999, p. 578.
[158]
Cf., v.g., o acórdão nº 319/89.
[159]
Cf. acórdão nº 32/88,
onde o Tribunal não conheceu de pedidos que tinham por objecto normas jurídicas internacionais
imperfeitas (tratava-se de um caso em
que não se se tinha chegado a concluir o procedimento normativo de
certa convenção, pois que ainda que se pudesse ter por válida a sua ratificação não datada, esta não tinha
sido de forma alguma publicitada). No Acórdão nº 809/93 decidiu-se não admitir um
pedido que tinha como objecto normas constantes de propostas de lei meramente aprovadas pela
Assembleia da República, uma vez que a fiscalização abstracta sucessiva incide
necessariamente sobre "normas juridicamente acabadas - isto é, relativamente às quais se cumpriram já
todos os requisitos formais necessários à sua conversão em proposições jurídico‑vinculativas
- e não sobre simples 'projectos' ou 'propostas' ou mesmo textos normativos já
aprovados pelo órgão para tanto competente, mas, de qualquer modo, pendentes
ainda de trâmites ulteriores do processo de formação que devem percorrer".
[160]
Cf. infra.
[161]
Cf. supra II-5.
[162]
O artigo 43º, nº 6, LTC, dispõe que "os
juízes gozarão as suas férias de 15 de agosto a 14 de setembro" e visa
assegurar a existência de quórum de funcionamento (maioria dos membros,
incluindo o presidente ou o vice-presidente - artigo 42º, nº 1, LTC) do
plenário mesmo em férias, período durante o qual podem surgir processos de
fiscalização preventiva, nos quais não há férias judiciais (cf.. artigo 43º, nºs 1 e 2).
[163]
Cf. infra ponto III.7
[164]
Quanto a
possíveis aplicações impugnadas e cujas decisões judiciais não tenham ainda
transitado, sustentou-se, por exemplo, no acórdão nº 639/98 que não há interesse jurídico relevante
("interesse prático apreciável") "quando os meios individuais e
concretos de defesa postos à disposição dos interessados são suficientes para
acautelar os seus direitos ou interesses, impedindo a aplicação da norma inconstitucional"
(pense-se na fiscalização concreta e no recurso de constitucionalidade) - cf.
também, por exemplo, os acórdãos nºs. 17/83,
308/93, 397/93, 188/94, 120/95, 580/95 e 117/97; em sentido contrário,
veja-se o acórdão nº 497/97 - tributação das gratificações nos casinos -, onde
o Tribunal, para analisar do interesse jurídico relevante na apreciação do
pedido, entendeu bastar a possibilidade de pendência de situações litigiosas
para manter o interesse no conhecimento do pedido (conheceu-se da questão de
constitucionalidade relativamente a um grupo de normas já revogadas, pelos
seguintes motivos: "dado o período de tempo 'coberto' por essa legislação,
admite-se que ainda se encontrem pendentes situações litigiosas, o que se
afigura bastante para se manter o interesse no conhecimento do pedido no que a
essas normas respeita").
[165]
Cf., por exemplo, acórdãos nºs. 73/90, 135/90, 465/91, 186/94 e
57/95, e 1147/96.
[166]
Cf..,
por exemplo, o acórdão nº 57/95. Neste acórdão, que incidiu sobre o Código do IRS, o Tribunal firmou um critério geral de decisão sobre esta matéria: "nos
casos em que as alterações suportadas pelas normas (...) dão
origem a outras normas, isto é, a normas dotadas de uma diferente substância
normativa, e, bem assim, nos casos em que as alterações, substanciais ou não,
conduzem a que as normas passem a constar de outro preceito legal, não deve o
Tribunal conhecer da compatibilidade com a Constituição das referidas normas (...) na sua versão actual, (...) pela necessidade de observância do princípio do
pedido; (...) já não subsistem, porém, quaisquer obstáculos
processuais ao conhecimento da questão de inconstitucionalidade, nas hipóteses
em que as alterações nas normas não forem de molde a afectar a sua substância
originária e essas alterações estejam corporizadas no mesmo preceito legal; aí,
porque a norma é essencialmente a mesma, é possível ao TC conhecer da sua
conformidade com a Constituição"; e, sobre o conceito de norma
apreciável, o Tribunal precisou o seguinte: "não se trata, porém, de
normas abstractamente consideradas, mas de normas vasadas ou concretizadas num
preceito; por outras palavras, o TC, quando aprecia a constitucionalidade de
uma norma jurídica, tem de referir essa norma a um preceito concreto, que
constitui o seu suporte formal; a necessidade de referência da norma objecto de
fiscalização ao preceito que a incorpora resulta do princípio do pedido; este mesmo princípio
impede que o Tribunal analise a questão de constitucionalidade de uma norma
nova - ainda que de teor substancialmente idêntico à antiga - concretizada num
preceito diferente do originário". Note-se que este critério não modificou
substancialmente o entendimento que o TC seguiu no acórdão nº 806/93, ao tomar
conhecimento do pedido relativo a uma determinada norma, apesar de ela ter sido
entretanto alterada, por essa alteração ter apenas consistido no aditamento de
um inciso que em nada relevava para o pedido: "não se poderá no caso
falar de uma verdadeira e própria revogação, pois que está em causa a
sucessão no tempo de distintas redacções conferidas por legislação avulsa a um
preceito integrante de um Código"; neste caso não houve modificação do
suporte normativo da norma impugnada. Esse critério já foi comentado em tons
críticos pela doutrina: cf. Casalta Nabais (O dever fundamental de pagar impostos
- contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo, Almedina, Coimbra,
1998, p. 595), Jorge Costa Santos ("O desenvolvimento da reforma fiscal e
a tributação dos valores mobiliários", in Fisco, Ano VIII, nºs 78-79,
Set.-Out./96, pp. 28-30) e Luís Menezes Leitão ("Evolução e situação da
reforma fiscal", in Ciência e Técnica Fiscal, nº 387, julho-setembro de 1997,
pp. 38-39).
[167]
Foi, aliás, o que se
passou, por exemplo, no processo que deu origem ao acórdão nº 497/97. Cf. ainda
o disposto no artigo 64º, nº 1, LTC: "admitido um pedido, quaisquer outros
com objecto idêntico que venham a ser igualmente admitidos são incorporados nor
processo respeitante ao primeiro".
[168]
Cf., por exemplo, o acórdão nº 15/83.
[169]
Cf. o acórdão nº 452/95,
onde se decidiu não estar o Tribunal impedido de conhecer da questão de
constitucionalidade de normas que já haviam sido submetidas à fiscalização
abstracta sucessiva a pedido do mesmo requerente tendo dela saído incólumes.
[170]
Cf. ainda o artigo 56º,
nº 4, LTC.
[171]
Cf. o artigo 60º LTC,
sobre os efeitos deste encurtamento nos prazos de tramitação do processo no
Tribunal.
[172]
E mesmo se a norma, já publicada, ainda não
estiver em vigor, por não ter decorrido a respectiva vacatio legis.
[173]
Cf. os acórdãos nºs. 476/94, 477/94 e 478/94, sobre quem é competente como autor da
norma para responder ao pedido.
[174]
Note-se que a tramitação dos processos de
fiscalização abstracta sucessiva resulta da revisão da lei do Tribunal ocorrida
em 1998. Até aí, o processso era inicialmente distribuído a um juiz relator que
tinha quarenta dias para elaborar o memorando "contendo o enunciado das
questões" sobre que o Tribunal se devia pronunciar "e da solução
proposta para as mesmas, com indicação sumária dos respectivos
fundamentos"; discutido esse memorando em plenário e tomada a decisão do
Tribunal, o relator, ou, no caso de este ficar vencido, outro juiz, tinha 30
dias para elaborar o acórdão (cf. artigo 65º, nºs 1 e 3, LTC, na versão de 1989).
Devido ao pouco tempo decorrido, não é ainda possível fazer uma avalização do
impacto das alterações de 1998, que visaram acelerar a tramitação dos processos
de fiscalização abstracta sucessiva, nos quais se tinham vindo a verificar
alguns atrasos (cf. J. M. Cardoso da Costa, "Algumas reflexões...",
cit., p. 127, que afirma que o TC tem sentido "dificuldades na gestão dos
processos de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade",
situação que deve "merecer já atenta preocupação").
[175]
Que foi introduzido na Lei do Tribunal pela
Lei nº 88/95, de 1 de setembro. No acórdão
nº. 510/98 (único caso em que o problema se colocou) foi indeferido um
"pedido de atribuição de prioridade" deduzido pelos requerentes (um
grupo de Deputados), e que tinha obtido o acordo do órgão autor da norma.
[176]
Note-se que o Tribunal, nos processos que
incidem sobre normas orçamentais, tem
seguido a prática, por forma à sua decisão ainda
produzir um efeito útil, de os decidir ainda dentro do ano orçamental.
[177]
Neste sentido, Miguel Lobo
Antunes, "Fiscalização abstracta da constitucionalidade: questões
processuais", in AA.VV, Estudos..., cit., p. 402.
[178]
O artigo 42º, nº 1, LTC
fixa o quorum do Tribunal, dispondo que este só pode funcionar, em plenário ou secção,
estando presente a maioria dos respectivos membros em efectividade de funções,
incluindo o Presidente ou o Vice-Presidente.
[179]
O Tribunal utiliza o
método da chamada “votação escalonada” (Stufenabstimmung), ou seja, compartimenta
as diversas questões colocadas no âmbito de cada processo e forma, em relação a
cada uma delas, a respectiva maioria de votação; para uma descrição mais
detalhada deste método, cf. o acórdão nº 58/95.
[180]
A importância decisiva
do papel da fundamentação como factor de legitimação do Tribunal e das suas
decisões foi recentemente reafirmada pelo Presidente do Tribunal: "sejam
quais forem as dificuldades que (...) os tribunais constitucionais encontrem na
sua actividade e no desempenho da sua missão, importa que elas não venham a
conduzir ou a traduzir-se em qualquer aligeiramento do discurso argumentativo
que fundamenta as respectivas decisões - ainda que isso implique o preço de uma
maior demora na emissão destas últimas; o ponto é crucial! (...) A justiça
constitucional, mais do que qualquer outra, não pode deixar de oferecer um
discurso argumentativo convincente a todos os seus destinatários" (cf. J.M. Cardoso da Costa, "Algumas reflexões
...", cit., pp. 128-129).
[181]
Assim, Miguel Lobo
Antunes, "Tribunal Constitucional",
in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. VII, Lisboa, 1996, p. 441. Cf., ainda,
o acórdão nº 58/95.
[182]
Note-se que esta norma
nunca foi aplicada; isto é: a Assembleia da República nunca confirmou um
diploma que contivesse normas que tivessem merecido do Tribunal uma pronúncia
de inconstitucionalidade em fiscalização preventiva; nem, ao que parece, foi
tal alguma vez proposto por algum deputado ou grupo parlamentar.
[183]
Cf., por exemplo,
acórdãos nºs 66/84, 85/85 e 452/95, e, na
doutrina, J. Miranda, Manual..., cit., pp. 482-483, J.M. Cardoso da Costa, A Jurisdição..., cit., pp. 61-62 e J.J. Gomes Canotilho, Direito
Constitucional ..., cit., p. 907.
[184]
Ver J. J. Gomes
Canotilho, Direito Constitucional..., cit., p. 903.
[185]
Um exemplo recente da discussão da
questão na jurisprudência do TC pode encontrar-se no acórdão nº 231/94.
[186]
Cf. acórdãos nºs. 56/84
e 452/95, e, na doutrina, J. M. Cardoso da Costa, A jurisdição ..., cit., p.61, A.
Ribeiro Mendes, I Conferência ..., cit., p. 755, J. J. Gomes Canotilho, Direito
Constitucional..., cit., p. 903, e J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição ..., cit., p. 1040.
[187]
Esta tem sido uma jurisprudência frequente do
Tribunal Muitas vezes essa possibilidade tem sido usada como forma de atenuação
ou eliminação de efeitos negativos provocados por decisões de
inconstitucionalidade que podem comportar fortes ónus financeiros para
entidades públicas: cf., por exemplo, os acórdãos nºs. 24/83, 92/85, 209/87, 76/88, 231/94, 1203/96. No citado acórdão nº 57/95, sobre o
Código do IRS, o Tribunal não conheceu do pedido relativamente a determinadas
normas revogadas invocando expressamente a necessária limitação de efeitos a
que procederia se as declarasse inconstitucionais: "seria totalmente
insustentável exigir à administração fiscal, em consequência da hipotética
declaração de inconstitucionalidade (...) a reapreciação de inúmeros actos de
liquidação de impostos e impor ao Estado ou a outra entidade pública a
restituição de importâncias percebidas com a cobrança dos impostos durante
vários anos económicos".
[188]
Sobre estas
possibilidades, ver Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., cit., pp. 904-905.
[189]
Cf., por exemplo, o acórdão nº 61/91, onde o Tribunal declarou inconstitucionais certas normas regulamentares que estabeleciam o modo
de cálculo do valor do capital das remições das pensões por acidentes de
trabalho. Tinha-lhe sido expressamente
solicitado, para a hipótese de declaração de inconstitucionalidade, que o Tribunal,
ao abrigo do artigo 282º, nº4, da Constituição, ao menos acautelasse os efeitos
já produzidos por essas normas, já que
se verificaria aqui a ocorrência de um interesse público de excepcional relevo,
traduzido no facto de os encargos decorrentes de um tal decisão atingirem cerca
de 5 milhões de contos para entidades seguradoras. O TC não acolheu este
pedido, baseado no facto de as remições das pensões por acidente de trabalho
exigirem sempre uma decisão judicial. Na verdade, a restrição de efeitos
poderia estar relacionada com duas situações, não se afigurando no entanto
necessária em nenhuma delas: ou com remições já efectuadas - ou seja, em que já
tivesse havido “sentença de homologação transitada em julgado” – que já
não podiam sofrer influência da declaração de inconstitucionalidade, por força
da ressalva obrigatória geral dos casos julgados, prevista no artigo 282º, nº
3, da Constituição; ou com “incidentes de remição ainda pendentes, nos
tribunais de trabalho ou em recurso” – caso em que “seria inadequado
proceder a qualquer limitação de efeitos”.