Artur Joaquim de Faria Maurício
Tomada de Posse da Entidade das Contas e Financiamentos
Políticos
31 de janeiro de 2005
Tribunal Constitucional
Não seria talvez este momento o mais adequado para fazer discursos e
ir além do que, em ocasiões semelhantes, é de uso dizer-se
em cumprimentos e felicitações aos empossados.
Mas entendi que deveria aproveitar a circunstância, ainda que de forma
muito breve, para ultrapassar o ritual costumeiro das cerimónias de posse,
com a intenção clara e desde já confessada de fazer relevar
a importância deste acto no processo de reforma da fiscalização
e julgamento das contas e financiamentos dos partidos políticos.
Reforçou-se, ainda, o propósito quando dei conta de que, uma vez
mais e antes mesmo de se iniciar a execução daquele processo,
se erguiam já algumas vozes de denúncia, mais ou menos sibilina,
do novo modelo legal, em particular no que respeita à criação
do órgão cujos membros acabaram de ser empossados e a quem se
prenunciava uma vida dourada de lazer, prebendas e mordomias, sem o retorno
de vantagens acrescidas no sistema.
E tudo isto sem dar ao menos o benefício da dúvida que sempre
e de algum modo representa a instituição de um novo quadro legal,
supostamente mais perfeito e eficaz.
Foi certamente com o propósito de construir uma disciplina mais transparente
e rigorosa das suas contas e financiamentos que a maioria dos partidos políticos
com assento na Assembleia da República redefiniram o respectivo enquadramento
legal.
Fizeram-no com a Lei n 19/2003, de 20 de junho, como resposta a exigências
do Estado de Direito Democrático que passam, necessariamente, pela afirmação
dos partidos políticos como instituições democráticas,
transparentes e credíveis, instituindo um regime que os sujeita, por
um lado, a limites razoáveis de financiamentos e gastos e, por outro,
à fiscalização e julgamento das suas contas em moldes de
maior rigor.
Num momento particular em que, com evidentes riscos para a vida democrática,
se parece instalar um certo divórcio entre os cidadãos e a chamada
“classe política”, impõe-se que tudo o que se fizer
no propósito de fortalecer a credibilidade dos partidos e de restabelecer
a confiança que neles deve depositar o povo português, seja recebido,
não com agoiros de insucesso mas, no mínimo, com a convicção
de que se aprovaram melhores soluções e a expectativa de avanços
significativos na optimização do sistema.
Fazer acreditar, pelo rigor das medidas legislativas adoptadas e, principalmente,
pela sua execução, que as contas dos partidos políticos,
alimentadas por subvenções públicas, são um espelho
fiel da sua actividade, contribui seguramente para reduzir nos cidadãos
as suas apreensões sobre a idoneidade das instituições
que, numa sociedade plural e democrática concorrem para a formação
e expressão da sua vontade política.
Manteve a nova Lei a competência fiscalizadora e judicativa do Tribunal
Constitucional – agora acrescida com os poderes de controlo das contas
das campanhas eleitorais – o que não deixa de significar –
e importa aqui sublinhá-lo – o reconhecimento de que este Tribunal
vem cumprindo com isenção e bom senso a missão que, desde
1995, lhe foi confiada.
Podendo discutir-se se, no campo dos princípios e da vocação
específica do Tribunal Constitucional , ou mesmo da sua operacionalidade,
era este o regime mais adequado de fiscalização das contas e financiamentos
dos partidos políticos, tal nunca significou – nem poderia significar
- um menor empenho e dedicação do Tribunal no exercício
desta sua competência.
E sempre houve aqui a consciência de que os poderes sindicadores que a
lei lhe outorgara nesta matéria não convertiam o Tribunal Constitucional
num organismo de polícia e de varejo da vida interna dos partidos com
desrespeito pela autonomia que a Constituição lhes confere.
Tal resulta da leitura dos vários acórdãos que o Tribunal
Constitucional tem proferido ao longo dos anos onde a verificação
de irregularidades é frequentemente acompanhada de considerações
pedagógicas e de compreensão pelas dificuldades dos partidos no
ajustamento das suas práticas de gestão contabilística
a novos comandos legais, o que naturalmente se reflecte na bondade dos juízos
de censura que o Tribunal emitiu.
Mas também não pode esconder-se que, repetidas as advertências,
à reiteração de procedimentos irregulares tem o Tribunal
respondido – e não poderia deixar de ser assim– com progressiva
severidade.
A verdade, porém, é que o regime anteriormente vigente enfermava
de deficiências várias e em algumas circunstâncias dificilmente
permitia às auditorias e ao Tribunal Constitucional juízos seguros
sobre se as contas apresentadas traduziam fielmente a realidade.
A revelação constante dessas dificuldades nos acórdãos
do Tribunal esteve seguramente na génese da nova legislação
e agora, em particular, da recentíssima Lei n 2/2005 que regulou a organização
e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, já
criada em 2003.
É esta Entidade um órgão que irá apoiar tecnicamente
o Tribunal Constitucional, dispondo de autonomia no plano técnico-funcional
e a que foram atribuídos poderes que se julgam suficientes para o exercício
eficaz das suas missões.
Os encargos acrescidos com a criação deste órgão
terão necessariamente o retorno de melhorias na transparência e
limpidez das contas dos partidos e na fiabilidade do sistema.
Mas não se alimentem ilusões: a perfeita operatividade e a eficácia
do novo regime não estão apenas – ou mesmo sobretudo –
condicionadas pelo esforço, a dedicação e a proficiência
técnica dos membros da Entidade.
O seu verdadeiro teste passará, decisivamente, pela conduta dos partidos
políticos sobre quem a lei faz impender relevantes deveres de colaboração
e de fornecimento de dados, principalmente em matéria de campanhas eleitorais
E o que determinará o seu cumprimento – mais do que a força
dissuasora das coimas previstas – será sempre a vontade dos partidos
de se envolverem lealmente na construção de uma sociedade política
com os valores éticos que os cidadãos reclamam.
A confiança na vida democrática faz-me acreditar que os partidos
políticos assumirão, certamente, a responsabilidade deste compromisso.
Senhor Presidente e Senhores vogais das Entidade das Contas e Financiamentos
Políticos
As minhas últimas palavras endereço-as a V. Exas.
A nomeação para os cargos em que foram empossados foi decidida,
de acordo com a lei, pelo colectivo dos juízes deste Tribunal sob proposta
do seu Presidente.
Todo o processo que a antecedeu regeu-se por total independência e transparência.
A escolha de V. Exas assentou exclusivamente nos vossos currículos académicos
e profissionais e na certeza da vossa idoneidade moral. Não houve –
e posso dizer: uma vez mais – a mínima ingerência ou o mínimo
condicionamento externo no modo como o Tribunal Constitucional exerceu a sua
competência própria. Se alguém os quisesse ensaiar –
e não tenho disso qualquer sinal – sempre se defrontaria com um
reduto inexpugnável de liberdade, isenção e independência
que considero ser o Tribunal Constitucional.
É exigente e espinhosa a vossa tarefa. Não lhes antecipo –
nem V. Exas o desejariam – uma sinecura, como alguns se apressaram a prever.
As funções que passam a exercer demandam uma dedicação
diária e persistente, a que por vezes poderão corresponder frustrações
e incompreensões.
Não são ideais – como é sabido - as circunstâncias
em que iniciam essas funções: alterou-se o calendário eleitoral
previsível aquando da aprovação da Lei n 19/2003, que
fixou em 1 de janeiro de 2005 a data da sua entrada em vigor, e estamos no início
de uma campanha que se integra já na esfera da competência fiscalizadora
da Entidade das Contas.
Apesar dos esforços desenvolvidos para que a nova legislação
reguladora da Entidade das Contas fosse aprovada, promulgada e publicada com
celeridade e pronta a nomeação e posse dos membros da mesma Entidade,
só hoje se completa este processo e se pratica o acto solene que finalmente
os habilita a exercer as vossas funções.
Já no início de uma campanha eleitoral não poderão
V. Exas dispor dos melhores meios, logísticos e outros, para, relativamente
a ela, cumprirem cabalmente o vosso mandato: há, designadamente, estratégias
por definir, bases de dados por criar, regulamentos por fazer e por estruturar
todos os outros procedimentos imprescindíveis para o início de
uma função desta natureza.
Saberá o Tribunal Constitucional compreender estas circunstâncias
na valoração do apoio técnico que a Entidade agora lhe
pode prestar.
Mas estou certo de que V. Exas, com dedicação e sentido de responsabilidade,
levarão a bom termo - e sem reclamarem indulgências - a dura tarefa
que já os espera ao sair da porta...