Aníbal Cavaco Silva
Sessão Solene comemorativa do XXV Aniversário do Tribunal Constitucional
9 de abril de 2008
Centro Cultural de Belém
Senhor Vice-Presidente da Assembleia da República,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhor Presidente do Tribunal Constitucional,
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Senhores Conselheiros,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
No dia 9 de março de 2006, assumi no meu acto de posse como Presidente da República o compromisso de cumprir e fazer cumprir a Constituição.
Esta declaração de juramento, proferida nos termos previstos pela própria Lei Fundamental, faz nascer um vínculo especial entre o Chefe do Estado e um sistema de defesa da Constituição que tem no Tribunal Constitucional o seu órgão central de garantia.
É, pois, com júbilo, que tenho a honra de presidir às comemorações do 25º aniversário do Tribunal Constitucional da República Portuguesa.
Júbilo, dado que a revisão constitucional de 1982, ao criar neste Alto Tribunal um privilegiado guardião da Constituição e da democracia, culminou o processo de afirmação de Portugal como um Estado de direito democrático.
Júbilo, também, porque o quarto de século de vida do Tribunal Constitucional, como tribunal das leis e como tribunal dos direitos fundamentais, representa um referencial de estabilidade, quer na consolidação dos valores que estruturam a nossa ordem jurídica, quer no amadurecimento das relações institucionais de um Estado de direito que faz assentar a sua legitimidade na dignidade da pessoa humana e na soberania do povo.
Júbilo, finalmente, porque, tratando-se de um órgão judicial dotado de uma legítima e natural componente política, tanto em razão do processo de designação dos seus membros, como do conteúdo da própria Constituição, nunca o Tribunal Constitucional se deixou envolver na espuma conjuntural da conflitualidade político-partidária.
A história de um Tribunal Constitucional é também a dos Juízes Conselheiros que marcaram a sua actividade. Neste caminho de vinte e cinco anos, e para citar apenas os nomes dos seus presidentes, poderemos distinguir um tempo de implantação, sob a direcção de Armando Marques Guedes; um tempo de consolidação, apuramento jurisprudencial e exercício de novas competências, sob as presidências de José Manuel Cardoso da Costa, de Luís Nunes de Almeida e de Artur Maurício; e agora, sob a presidência de Rui Moura Ramos, um tempo marcado por novos desafios.
De entre estes desafios, poder-se-á referir, desde logo, os que se colocam a propósito das relações entre o direito da União Europeia e a Constituição da República. Mas também a necessidade de garantir com maior eficácia o princípio da segurança jurídica, em face de um ordenamento jurídico integrado por leis que nem sempre se distinguem pela qualidade, pela objectividade ou pela previsibilidade na sua aplicação.
Poder-se-á assinalar ainda a necessidade de conservação da celeridade na realização da justiça, em face de uma maior procura da mesma e do exercício das novas e diversificadas competências que foram sendo atribuídas ao Tribunal Constitucional. Ou, por último, salientar o desafio que decorre da necessidade de clarificação do regime jurídico dos direitos sociais, em tempo de debate doutrinal.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Comemorar 25 anos de história do Tribunal Constitucional é celebrar também o desempenho do modelo português de fiscalização da constitucionalidade.
Trata-se de um sistema com características próprias que, tendo como órgão de cúpula o Tribunal Constitucional, combina uma fiscalização concreta cometida a todos os tribunais, a qual tem raízes na tradição jurídica portuguesa, com uma fiscalização abstracta concentrada no órgão máximo de justiça constitucional, própria do modelo dominante na Europa continental.
A prática demonstrou que o modelo português conseguiu ser equilibrado, ágil e eficaz na articulação de diferentes tipos de processos, reagindo à ocorrência de todas as espécies de inconstitucionalidades que afectam as normas jurídicas, mediante iniciativa de um conjunto alargado de órgãos constitucionais, bem como dos cidadãos.
Trata-se, igualmente, de um dos modelos que, através do recurso de constitucionalidade, mais aproxima a Constituição do cidadão.
Tal opção permite que a Constituição da República não se resuma a uma norma isolada da vida colectiva, apenas interpretada e concretizada por um núcleo restrito e fechado de operadores jurídicos, mas sim uma Lei que qualquer cidadão pode invocar na defesa dos seus direitos e que qualquer juiz deve tomar como padrão das decisões que profere.
Trata-se, ainda, de um modelo que tem propiciado um elevado número de decisões de mérito na defesa dos direitos fundamentais, resultado que retira, por ora, oportunidade à discussão sobre a sua reforma através da ponderação de soluções alternativas.
Trata-se, finalmente, de um modelo que se consolidou no universo de língua portuguesa, sendo particularmente relevantes os pontos comuns entre os sistemas português e brasileiro e entre o nosso modelo e o de países africanos de expressão portuguesa, como o angolano, o cabo-verdiano e o são-tomense.
Senhoras e Senhores,
Reservo uma palavra final de apreço para o estatuto de independência dos juízes conselheiros e para a qualidade das decisões do Tribunal Constitucional.
Sendo os membros que compõem este Tribunal oriundos de fontes de legitimidade com origens diversas quanto ao respectivo processo de designação, demonstra a prática institucional que sempre imperou uma regra de efectiva independência dos juízes constitucionais no exercício das suas funções, assim se assegurando a imparcialidade e o rigor na garantia da constitucionalidade do Direito.
Por outro lado, sendo a Constituição uma lei cujos princípios e normas devem conservar uma necessária maleabilidade e abertura para a regulação de novos factos e de novas situações, sempre o Tribunal Constitucional conseguiu imprimir uma leitura actualista e evolutiva no processo de interpretação da nossa Lei Fundamental.
De facto, este Tribunal é uma jurisdição do seu tempo, agregando a tradicional função de «legislador negativo», que elimina as normas inconstitucionais do ordenamento jurídico, a uma função reparadora do tecido normativo, através de acórdãos que modelam os efeitos das normas ou da própria decisão de inconstitucionalidade.
Importa sublinhar, e neste ponto termino, que essa interpretação evolutiva e essa jurisprudência reparadora do Tribunal se afirmaram tranquilamente na nossa ordem jurídica, no respeito dos restantes poderes do Estado, sem tentações activistas e com uma assinalável capacidade de auto-contenção, discrição e prudência.
São todas estas razões que nos permitem celebrar, com júbilo, os 25 anos de vida de uma instituição que tem constituído, para a República Portuguesa, um referencial de estabilidade e progresso.
Obrigado.