Relatórios Portugueses das Conferências dos Tribunais Constitucionais Europeus
Xª Conferência dos Tribunais Constitucionais
Europeus
A liberdade de expressão do pensamento: A Constituição
da República Portuguesa de 1976, a Lei e a Jurisprudência Constitucional
Maria Fernanda dos Santos Martins Palma Pereira, Juíza
do Tribunal Constitucional e Guilherme Frederico Dias Pereira da Fonseca, Juiz
do Tribunal Constitucional
[Budapeste, Hungria, 6 a 9 de maio de 1996]
I - As regras e os princípios constitucionais
1. A Constituição portuguesa de 1976 consagra, nos artigos 37º, 38º, 39º e 40º, um conjunto de direitos fundamentais que incidem sobre a expressão do pensamento e a informação.
O artigo 37º é o preceito nuclear, regulando as liberdades e direitos de expressão e divulgação do pensamento e de informação (activa e passiva: informar e ser informado) em geral.
O artigo 38º regula os direitos de informação e as subjacentes liberdades de expressão e criação dos jornalistas e dos colaboradores literários, bem como os direitos concernentes à actividade dos jornalistas (acesso às fontes de informação, independência e sigilo profissional). O referido artigo 38º assegura também a liberdade dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico e a liberdade interna desses órgãos.
O artigo 39º prevê um órgão independente, a Alta Autoridade para a Comunicação Social, que garante a efectivação do direito à informação, a liberdade de imprensa e a independência dos meios de comunicação social perante o poder político e o poder económico, bem como a liberdade de expressão dos meios de comunicação social e nos meios de comunicação social (confronto das diversas correntes de opinião, réplica política e direito de resposta).
Finalmente, o artigo 40º reconhece e assegura o direito de antena aos partidos políticos, organizações sindicais, profissionais e representativas das actividades económicas.
Após a segunda revisão da Constituição de 1976 (ocorrida em 1989; a primeira data de 1982), foi ainda incluído no conjunto dos direitos pessoais atinentes aos aspectos centrais da personalidade o direito à palavra, entendido geralmente pela doutrina como um direito paralelo ao direito à imagem. O direito à palavra implicará um direito à voz (isto é, um direito a que não se registe e divulgue sem consentimento do próprio a sua voz) e um direito às "palavras ditas", enquanto direito à reprodução e interpretação rigorosa e autêntica das palavras proferidas (cfr., sobre todos estes preceitos, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., 1993), bem como um direito a impedir uma reprodução incontrolada pelo autor das suas palavras, um direito à temporalidade das palavras ditas e não integradas em qualquer registo escrito ou oral.
Este núcleo de direitos relativos à expressão, divulgação do pensamento e informação, é aprofundado pelas liberdades de consciência, de religião, de culto, de criação cultural e de aprender e ensinar, consagradas nos artigos 41º a 43º da Constituição.
Os referidos direitos e liberdades correspondem aos aspectos de identificação, expressão e desenvolvimento da personalidade humana na sua natureza mais íntima e inviolável. Constituindo todos eles um desenvolvimento da liberdade da consciência, são igualmente garantias de expressão e divulgação do pensamento, consagrados pelos artigos 37º a 40º.
2. Se pretendermos classificar este núcleo de direitos e liberdades, reconheceremos um desenvolvimento valorativo que vai dos direitos mais básicos e gerais até aos mais específicos.
Assim, a liberdade de pensamento ramifica se na liberdade de expressão, divulgação do pensamento e informação e direito à palavra, por um lado, e na liberdade de consciência, religião, criação cultural e de aprender e de ensinar, por outro lado. Na liberdade de pensamento sediam-se, deste modo, tanto os direitos de expressão e divulgação do pensamento, à informação e à palavra, como o direito a opções valorativas da consciência, nomeadamente as institucionalizadas (religião, culto, política, criação cultural).
O substrato comum a todos estes direitos e liberdades é a própria liberdade de expressão do pensamento, sem que, no entanto, o texto constitucional assuma explicitamente qualquer conceito superior comum. Apenas se consagra genericamente o direito à liberdade, previsto a par do direito à segurança (artigo 27º, nº 1) e imediatamente sucedido de um regime restritivo da pena de prisão e da prisão preventiva (artigo 27º, nºs 2 e 3, respectivamente). Formalmente, o direito à liberdade é o terceiro a surgir na escala axiológica constitucional, a seguir ao direito à vida (artigo 24º) e à integridade pessoal: física e moral (artigo 25º).
Os conceitos mais gerais, não expressamente relacionados pelo texto constitucional, são a liberdade de expressão e divulgação do pensamento e a liberdade de consciência. Tais conceitos exprimem a autonomia do pensamento pessoal (liberdade de expressão e direito à palavra) como aspectos identificadores do indivíduo personalizado e digno, o direito à participação da pessoa como ente autónomo no todo social (divulgação do pensamento e informação) e a liberdade de opções valorativas e ideológicas e sua divulgação, como aspectos delineadores dos fins mais profundos da personalidade humana e das necessidades do seu desenvolvimento.
Por outro lado, não se divisam quaisquer diferenças de valor hierárquico derivadas do texto constitucional entre estes direitos e os outros direitos fundamentais. Eles fazem parte do elenco dos direitos, liberdades e garantias pessoais previstos no Capítulo I do Título II da Parte I. Nesse sentido, tais direitos beneficiam do regime do artigo 18º da Constituição, segundo o qual os preceitos constitucionais que os contemplam são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. As restrições admitidas têm de ser previstas constitucionalmente e estão subordinadas aos princípios da necessidade e da adequação. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18º, nºs 1, 2 e 3).
A suspensão de alguns destes direitos, nas situações de
declaração do estado de sítio ou do estado de emergência,
é admissível. Todavia, estão expressamente ressalvadas
as liberdades de consciência e de religião (a par de direitos fundamentais
como os que respeitam à vida, integridade, identidade, capacidade civil,
cidadania e garantias de defesa em processo penal - cfr. o artigo 19º,
nº 6). Nesse sentido, pelo menos, poder se á concluir que a liberdade
de consciência e de religião tem um valor de ordem superior, constituindo
o núcleo de todos estes direitos.
Não é de excluir a dúvida interpretativa relativamente
à Constituição Portuguesa sobre se o direito à palavra,
concebido como direito à interpretação autêntica
das palavras proferidas, não terá uma projecção
semelhante, embora não esteja expressamente referido no artigo 19º,
nº 6. Seria possível chegar a uma tal conclusão se entendessemos
essa dimensão essencial do direito à palavra como aspecto da integridade
pessoal (moral) ou, em certas circunstâncias, do direito de defesa do
arguido. Mas tal possibilidade interpretativa é apenas uma hipótese
doutrinária.
3. O texto constitucional estabelece limites implícitos e explícitos à liberdade de expressão do pensamento.
Os limites implícitos resultam da função desta liberdade no âmbito dos direitos, liberdades e garantias fundamentais. A liberdade não é absoluta, não constitui manifestação de uma pura afirmação individual. Ela é antes concebida como a liberdade de realização da pessoa, reconhecida por igual a todos e incompatível com a prepotência de pessoas ou grupos. Isto resulta dos fundamentos e finalidades do Estado português, enquanto Estado de direito democrático, baseado na dignidade da pessoa humana e garante do pluralismo de expressão e da organização política democrática (artigos 1º e 2º da Constituição).
Deste modo, a liberdade de expressão é, simultaneamente, direito negativo ou de defesa perante os entraves à expressão do pensamento, de criação cultural (artigo 42º), consciência e culto (artigo 41º) e direito positivo de acesso aos meios de expressão (artigo 37º, nº 4, direito de resposta; artigo 40º, direito de antena dos partidos e organizações sindicais e profissionais; artigo 41º, direito das igrejas a meios de comunicação próprios).
Para além destes limites implícitos estão explicitamente consagrados o direito de resposta e de rectificação bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos (artigo 37º, nº 4, da Constituição), como meios de defesa contra um exercício incontrolado e abusivo da liberdade de expressão do pensamento. Todavia, não se trata propriamente de limites, mas ainda de manifestações de liberdade e igualdade na expressão do pensamento (informação). A referência, no texto constitucional, às infracções cometidas no exercício da liberdade de expressão e informação e ao direito a indemnização pelos danos sofridos em consequência de tais infracções (artigo 37º, nº 3) revela que a dignidade da pessoa humana e os valores com ela conexionados limitam a liberdade de expressão e informação.
Também a consagração, no artigo 32º, nº 1, da Constituição, de um amplo direito de defesa em processo penal (diz o citado preceito que o processo criminal assegurará a plenitude das garantias de defesa) implica que os limites à liberdade de informação que a lei ordinária consagra, como a protecção dos segredo profissional, religioso e de Estado (artigos 135º a 137º do Código de Processo Penal), sejam constitucionalmente fundamentados.
Por outro lado, o acesso à informação de dados sobre o arguido mediante "tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações", conduz à nulidade da prova obtida (artigo 32º, nº 6, da Constituição). A violação do domicílio, do sigilo de correspondência e dos outros meios de comunicação privada está constitucionalmente vedada (artigo 34º, nº 1, da Constituição), apenas se admitindo, excepcionalmente, o acesso a essa informação por ordem da autoridade judicial competente e nos casos previstos na lei (artigos 177º, 179º e 187º do Código de Processo Penal).
4. A reserva de lei constitui requisito importante da legitimidade constitucional de restrição à liberdade de expressão e informação, quer no sentido de reserva de lei material, quer no sentido de reserva de lei formal.
Por isso, o direito à liberdade de expressão e informação não pode ser restringido senão por via de lei, não podendo a lei delegar em regulamento ou diferir para ele qualquer aspecto desse regime.
Por outro lado, aquele direito só pode ser regulado por lei da Assembleia da República, ou por decreto-lei do Governo devidamente autorizado.
Diferente da figura da restrição do exercício de direitos fundamentais é a figura da delimitação do âmbito do próprio direito.
A esfera de acção de alguns destes direitos relativos à liberdade de expressão e informação nem sempre decorre do texto constitucional.
Com efeito, este remete para a lei a delimitação do âmbito de alguns destes direitos ou apenas a delimitação de um aspecto específico deles.
Assim, v.g., o direito à objecção de consciência e o direito dos jornalistas ao acesos às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redacção, são exercidos "nos termos da lei", cabendo a esta delimitar o seu âmbito e garantir o seu exercício, revelando ou concretizando limites imanentes (V.G. limitação de acesso a processos em "segredo de justiça", de acesso a "segredos do Estado", etc.).
II - Limites à liberdade de expressão do pensamento: Jurisprudência do Tribunal Constitucional
1. A jurisprudência do Tribunal Constitucional português tem aflorado os limites à liberdade de expressão do pensamento no âmbito da liberdade de imprensa, informação, comunicação e propaganda política e tanto na perspectiva dos limites implícitos como das colisões exteriores com outros direitos e valores constitucionais.
O Tribunal Constitucional afirma, em vários acórdãos, que há limites implícitos à liberdade de expressão, isto é, inerentes à sua própria definição constitucional e que circunscrevem o respectivo âmbito de protecção. Tais limites assumem, na liberdade de imprensa, a exigência de um seu uso responsável, revelando uma perspectiva de limitação pela ideia de que a imprensa é um bem jurídico, um valor objectivo e não apenas uma liberdade do seu titular, protegida a qualquer título, sem limitações impostas pelos direitos pessoais dos cidadãos.
O Tribunal Constitucional invocou também os "limites naturais" dos direitos fundamentais, numa situação em que pretendeu vedar um funcionamento abusivo e contrário à igualdade da propaganda política - numa situação em que a mensagem propagandística poderia inquinar a formação da vontade, que deve exprimir-se livremente, sem coacção ou vício, através da igualdade de oportunidades.
O Tribunal Constitucional reconhece, pois, estes limites implícitos como restrições normais aos direitos fundamentais em que se analisa a liberdade de informação. Esta perspectiva, enraizada numa certa fundamentação doutrinária, seria comum a todos os direitos fundamentais. Não foi encarada, no entanto, em áreas mais pessoais de liberdade de expressão, como a liberdade de consciência ou a liberdade religiosa.
Para além destes limites implícitos e normais reconhece a jurisprudência constitucional portuguesa limites explícitos, em certos casos excepcionais, à liberdade de expressão em várias das suas manifestações. Esses limites são concebidos a propósito da protecção da segurança externa e interna do Estado (segredo de Estado), do interesse público na protecção penal de bens jurídicos (restrições ao direito de comunicação do arguido e à liberdade de manter segredo no processo penal). Tais restrições são legitimadas pela superioridade do interesse acautelado, não contendendo nunca, portanto, com as áreas essencialíssimas da liberdade de expressão como a liberdade de consciência e a liberdade religiosa. Os princípios de adequação e proporcionalidade são sempre considerados requisitos da legitimidade de tais limites.
Existe uma terceira área de limitações à liberdade de expressão em que se apela a interesses autónomos. Porém, essas limitações não podem ser encaradas como excepcionais, já que se destinam a evitar a lesão de direitos alheios não necessariamente de ordem superior, mas que na situação de conflito seriam injustamente comprimidos pela liberdade de expressão ou realizariam valores superiores à liberdade de expressão. Assim, o Tribunal Constitucional considera limite à liberdade de imprensa a obrigatoriedade de publicação da resposta no periódico em que foram publicados a notícia ou o artigo que a justificaram, num dos números seguintes, sem comentários do próprio periódico.
O Tribunal Constitucional justifica esta protecção intensa do direito de resposta, em face da liberdade de imprensa, pela necessidade de proteger as condições de exercício de um direito que tem as suas raízes na dignidade da pessoa humana, reconhecendo, implicitamente, a preponderância deste interesse no conflito. Esta natureza do direito de resposta é, porém, associada pelo Tribunal Constitucional à defesa da honra. O direito de resposta não é absoluto e não é reconhecido nos casos de utilização injuriosa. Nas situações de limitação da liberdade de expressão no processo civil, através da possibilidade de o juiz mandar retirar das peças processuais (por exemplo, articulados, alegações) expressões injuriosas das instituições, das leis ou do próprio tribunal, também se entende que o interesse público na ordem e na disciplina processual justifica a limitação da liberdade de expressão, embora esta seja, nesses casos, manifestada abusivamente.
Em suma, a jurisprudência do Tribunal Constitucional português não se confrontou com uma grande variedade de colisões de direitos com a liberdade de expressão. Cerca de vinte anos após a garantia plena de liberdade de expressão, constata-se uma certa timidez da sociedade em aprofundar o tema dos limites à liberdade de expressão, e nomeadamente de imprensa, ao nível da legislação, da consciência dos direitos pessoais ou de grupos sociais (nomeadamente étnicos e sexuais) e da investigação sobre os efeitos de certo tipo de informação e de expressão mediática do pensamento sobre os indivíduos (v.g., a violência e a pornografia).
Porem, apesar de pouco significativa a percentagem de decisões respeitantes à liberdade de expressão (cerca de 2%), no conjunto de decisões do Tribunal Constitucional relativas a direitos fundamentais, este já decidiu sobre as seguintes matérias: propaganda em geral e de carácter político-partidário; expressões injuriosas utilizadas por advogados em peças forenses; liberdade de expressão no âmbito de reuniões e manifestações de agentes da Polícia de Segurança Pública; liberdade religiosa na leccionação da disciplina de religião e moral católicas nas escolas públicas ou particulares; liberdade de acesso à informação no segredo de Estado; liberdade de imprensa no direito de resposta e segredo profissional dos jornalistas; liberdade de consciência no direito à objecção de consciência.
2. Confrontados os interesses que justificam a limitação da liberdade de expressão do pensamento é possível concluirmos que os interesses que merecem protecção jurídico-penal têm um especial valor como limite da liberdade de expressão (honra, liberdade de expressão e liberdade de decisão alheias, segurança do Estado) e constituem a forma mais intensa de limitação constitucional reconhecida, pois são geralmente interpretados como limites implícitos ou naturais da liberdade de expressão. Não há, todavia, decisões que incidam sobre colisões múltiplas de interesses em que o interesse público, a honra e a liberdade de informação, por exemplo, conflituem.
Poderemos divisar uma hierarquia nos próprios interesses limitativos da liberdade de informação a partir do seu núcleo essencial, orientada pelo critério da proximidade com a dignidade da pessoa humana (no caso da tutela da honra em associação com o direito de resposta) ou com interesses fundamentais da sociedade (segurança do Estado). Em todo o caso, porém, sempre poderia afirmar-se que o núcleo essencial da liberdade de expressão permanece intocável relativamente ao interesse público. O Tribunal Constitucional apenas encara a problemática dos limites perante manifestações menos nucleares da liberdade de expressão.
III - A jurisprudência constitucional
1. O sistema português associa uma fiscalização difusa a um controlo concentrado da constitucionalidade das normas.
A fiscalização difusa é assegurada por todos os tribunais, que não só podem, mas devem recusar a aplicação de normas que eles próprios considerem inconstitucionais (artigo 207º da Constituição). Nestas situações, é obrigatório o recurso do Ministério Público para o Tribunal Constitucional, que, em última instância apreciará a conformidade das normas à Constituição. É igualmente admissível a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional por particulares que suscitaram perante os outros tribunais questões de constitucionalidade (artigos 280º da Constituição e 70º da Lei do Tribunal Constitucional). Já não é possível aos particulares interporem acções, directamente, perante o Tribunal Constitucional, em defesa dos seus direitos.
O controlo concentrado da constitucionalidade das normas pelo Tribunal Constitucional abrange, para além dos casos referidos (fiscalização concreta), a fiscalização abstracta. Autoridades públicas como o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro Ministro, os Ministros da República (nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira), o Provedor de Justiça, o Procurador Geral da República e um número mínimo de Deputados nacionais ou regionais podem, em abstracto, requerer ao Tribunal Constitucional que declare a inconstitucionalidade de normas (artigo 281º da Constituição). As declarações proferidas nesta sede pelo Tribunal Constitucional têm força obrigatória geral - ao contrário das decisões proferidas no âmbito da fiscalização concreta, que apenas têm força no processo (artigo 282º da Constituição).
Entre o processo de fiscalização concreta e o processo de fiscalização abstracta existe uma ponte legal. Após três julgamentos de inconstitucionalidade (em fiscalização concreta), o Tribunal Constitucional procede a uma generalização: declara a inconstitucionalidade com força obrigatória geral (artigo 281º, nº 3, da Constituição). Diferentemente, o julgamento de não inconstitucionalidade não é passível de generalização.
Por outro lado, para além da fiscalização sucessiva da constitucionalidade (posterior à entrada em vigor das normas jurídicas) existe uma fiscalização preventiva, prévia à própria entrada em vigor das normas. Assim, o Presidente da República (ou os Ministros da República, quanto a diplomas legais regionais) pode, quando um diploma é sujeito à sua promulgação, remetê-lo, cautelarmente, ao Tribunal Constitucional. Uma apreciação negativa do diploma (das normas respectivas) obstará à sua entrada em vigor (artigos 278º e 279º da Constituição).
Por fim, o Presidente da República, o Provedor de Justiça e os Presidentes dos parlamentos regionais podem pedir a apreciação da existência de inconstitucionalidade por omissão (artigo 283º). Nestes casos (raríssimos), se o Tribunal Constitucional verificar a inconstitucionalidade limita-se a dar conhecimento ao órgão com competência legislativa (artigo 283º, nº 2, da Constituição).
As decisões jurisdicionais e os actos administrativos não são directamente objecto de controlo da constitucionalidade. Apenas as normas jurídicas são objecto de controlo. Porém, o Tribunal Constitucional tem entendido que pode apreciar a inconstitucionalidade das normas numa parte, dimensão ou de acordo com determinada interpretação. Aliás, o Tribunal Constitucional pode julgar não inconstitucional uma norma apenas de acordo com determinada interpretação, impondo tal interpretação aos restantes tribunais (artigo 80º, nº 3, da lei do Tribunal Constitucional).
De todo o modo, não é admissível um recurso que apenas questione a constitucionalidade de uma decisão judicial ou de um acto administrativo, sem pôr em causa a conformidade com a Constituição das normas jurídicas que eles aplicaram.
Todavia as decisões no âmbito do contencioso eleitoral, em que frequentemente se colocam problemas de liberdade de expressão e seus limites (por exemplo, decisões da Comissão Nacional de Eleições), são, por si mesmas, objecto de controlo, existindo aí um controlo de legalidade (artigos 102º, 102º-A e 102º-B da Lei do Tribunal Constitucional).
As normas constantes de leis restritivas da liberdade de expressão do pensamento serão inconstitucionais se, nomeadamente, não obedecerem às exigências previstas no artigo 18º da Constituição (cfr., supra, I.2.). Tais normas são passíveis de fiscalização (concreta e abstracta; preventiva e sucessiva) nos termos gerais.
2. De modo geral, os diferentes direitos relativos à liberdade de expressão do pensamento são interpretados e objecto de apreciação no Tribunal Constitucional como direitos subjectivos. No âmbito do processo penal são concebidos, no entanto, como garantias (cfr., supra, II. 2.).
O Tribunal Constitucional pode apenas controlar, no plano da constitucionalidade, a interpretação que foi dada a normas jurídicas aplicadas nas decisões jurisdicionais que são objecto de recurso de constitucionalidade e, portanto, normas jurídicas relativas à matéria de liberdade de expressão do pensamento (cfr., supra, III 1.), mas não pode alterar a interpretação dada pelos outros tribunais.
Embora alguns autores entendam que a liberdade de criação intelectual, artística e científica pode exigir um reforço da protecção em relação à simples liberdade de manifestação de pensamento, no plano das garantias objectivas, a Constituição não estabelece um regime diferenciado.
3. Ainda não se conhece nenhuma influência, neste domínio da liberdade de expressão do pensamento, da jurisprudência de outros tribunais constitucionais sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional português.
E, ainda não houve nenhuma condenação de Portugal por violação da liberdade de expressão do pensamento.
IV - Carácter público das audiências
1. A Constituição da República Portuguesa estabelece, no seu artigo 209º, que "as audiências dos tribunais são públicas, salvo quando o próprio tribunal decidir o contrário, em despacho fundamentado, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral pública ou para garantir o seu normal funcionamento".
Muito embora a própria Constituição não defina o conceito de audiência, nem imponha a existência de audiência em todos os processos e em todas as instâncias, esta norma constitucional tem implícita a garantia de audiência como acto normal do processo, devendo o conceito abranger, pelo menos, a audiência de discussão e julgamento, acto típico da fase decisória em 1ª instância.
Por força do princípio hierárquico e da posição que na pirâmide normativa assume a lei constitucional, este princípio, com a dimensão indicada, vigora em todo o ordenamento jurídico, abrangendo, portanto, todas as ordens de tribunais. Daí que, quanto aos tribunais judiciais, a Lei nº 38/87, de 23 de dezembro, a designada Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, reproduza esta disposição constitucional no seu artigo 7º.
Embora o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de abril) não contenha qualquer norma sobre a matéria, é aplicável nesta ordem de tribunais aquele mesmo regime, não só por força do imperativo constitucional, mas também pela aplicação subsidiária, determinada pelo artigo 13º do citado diploma, do estabelecido quanto aos tribunais judiciais.
A publicidade das audiências de julgamento em 1ª instância é também garantida nos tribunais militares. Dos artigos 387º, nº 1, e 389º, nº 1, alínea a), do Código de Justiça Militar resulta que a audiência é pública, salvo se o tribunal, em acórdão fundamentado, decidir o contrário para salvaguardar a dignidade das pessoas e a moral pública ou para garantir o seu próprio funcionamento.
O carácter público das audiências é também assegurado, por vezes com especificidades, pelas diversas leis processuais.
Assim, o Código de Processo Civil, no seu artigo 656º, nº 1, referindo-se à audiência de discussão e julgamento em primeira instância, reafirma o princípio de que a audiência é pública.
O Código de Processo Penal regula de forma mais pormenorizada a questão da publicidade do processo e do segredo de justiça.
Impondo o segredo de justiça nas fases preliminares do processo, o que abrange o inquérito e a instrução, estabelece o princípio da publicidade no seu artigo 86º, nº 1, de acordo com o qual, "o processo penal é, sob pena de nulidade, público a partir da decisão instrutória ou, se a instrução não tiver lugar, do momento em que já não puder ser requerida".
A publicidade implica, nos termos do nº 2 do citado preceito, os direitos de assistência do público em geral à realização dos actos processuais, de narração dos actos processuais ou reprodução dos seus termos pelos meios de comunicação social e de consulta do auto e obtenção de cópias, extractos e certidões de quaisquer partes dele.
No que concerne a actos processuais, o nº 1 do artigo 87º estabelece que a eles pode assistir qualquer pessoa, podendo, porém, o juiz, por despacho, restringir ou excluir a publicidade com base em factos ou circunstâncias concretas que façam presumir que a publicidade causaria grave dano à dignidade das pessoas, à moral pública ou ao normal decurso do acto. Em caso de processo por crime sexual que tenha ofendido menor de dezasseis anos, os actos processuais decorrem, em regra, com exclusão de publicidade. Deste modo, a exclusão de publicidade não abrange, em caso algum, a leitura da sentença.
O regime exposto é mandado aplicar pelo artigo 321º do Código de Processo Penal à audiência de julgamento. Esta é pública, sob pena de nulidade insanável. Porém, se, finda a produção de prova relativa à culpabilidade do arguido e feitas as alegações finais, o tribunal entender que é necessário produzir prova para a determinação da sanção aplicável ao arguido, poderá ordenar a reabertura da audiência para este efeito. Esta fase da audiência, porque a publicidade pode contender com direitos de personalidade do arguido, decorre, em regra, com exclusão de publicidade, salvo se o presidente, por despacho, entender que da publicidade não pode resultar ofensa à dignidade daquele (artigo 371º).
No âmbito da jurisdição de menores, estabelece-se que o processo tutelar (que tem em vista a aplicação das medidas de protecção, assistência ou educação previstas no Decreto--Lei nº 314/78, de 27 de outubro) é secreto (artigo 36º), sendo apenas convocados para a audiência o menor, os seus pais ou a pessoa a quem ele esteja confiado, bem como quaisquer outras pessoas cuja presença se mostre conveniente, só podendo, para além delas, assistir à audiência as pessoas que o tribunal expressamente autorizar (artigo 61º, nºs 2 e 3). O afastamento do regime regra justifica-se pela intenção de salvaguardar direitos da infância e da juventude, que a publicidade normalmente poderia lesar.
Quanto ao processo laboral vale o que foi dito em relação ao processo civil e ao processo penal. Não contendo o Código de Processo do Trabalho qualquer disposição sobre a matéria e sendo subsidiariamente aplicáveis neste ramo de direito as regras processuais que regem aqueles dois outros tipos de processo, nos termos do artigo 1º, nº 2, alínea a), do respectivo Código, vigora também aqui, de forma ampla, o princípio da publicidade da audiência.
Em sede de recursos, nem sempre é garantido o direito à audiência, sendo frequente que a decisão do processo seja tomada em conferência sem prévia realização de audiência nela participando apenas os juízes que devam intervir (artigo 25º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais). É o que sucede, de modo paradigmático, no recurso de apelação em processo civil (artigo 709º do respectivo Código), cujo regime é aplicável às outras espécies de recursos cíveis e àqueles a que este é estendido por força de diversas leis processuais. Assim sucede no caso de recurso interposto para o Tribunal Constitucional (artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional).
Diferentemente, no processo penal apenas são julgadas em conferência as questões suscitadas em exame preliminar quando o recurso deva ser rejeitado, quando exista causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso e quando a decisão recorrida não constitua decisão final (artigo 419º do Código de Processo Penal). Fora destes casos, há lugar a audiência, sendo esta pública.
Também no Supremo Tribunal Militar o julgamento dos recursos decorre após realização de sessão pública (art. 449º do Código de Justiça Militar), sendo o acórdão, depois de tomada a decisão em conferência, tornado público em audiência (artigo 463º).
Resta fazer uma breve referência aos recursos judiciais das decisões das autoridades administrativas em processo de contra ordenação. De acordo com o disposto no artigo 63º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de setembro, o juiz de 1ª instância pode decidir o caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho. Decide por despacho quando não considere necessária a audiência e o arguido e o Ministério Público se não oponham. Realizando audiência, esta é pública (artigos 66º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro, 13º, nº 7, do Decreto-Lei nº 17/91, de 10 de janeiro, e 321º do Código de Processo Penal).
2. Nos termos do artigo 119º, nº 1, da Constituição "as reuniões das assembleias que funcionem como órgãos de soberania, das regiões autónomas ou do poder local são públicas, excepto nos casos previstos na lei".
O Regimento da Assembleia da República (aprovado pela Resolução nº 4/93, de 2 de março) estabelece, nos seus artigos 119º e 120º, que as reuniões plenárias são públicas, só o sendo as reuniões das comissões se estas assim o deliberarem. No entanto, são em princípio abertos à comunicação social os pontos da ordem de trabalhos das reuniões das comissões destinadas a discutir e a aprovar a legislação na especialidade e a apreciar e a votar os relatórios sobre iniciativas legislativas.
Os Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas atribuem também carácter público às reuniões plenárias das respectivas Assembleias Regionais, podendo-o ter ou não as reuniões das comissões (quanto aos Açores veja-se o artigo 37º, nº 2, da Lei nº 39/80, de 5 de agosto, alterada pela Lei nº 9/87, de 26 de março, e quanto à Madeira o artigo 35º, nº 2, da Lei nº 13/ /91, de 5 de junho).
No que respeita às autarquias locais, as reuniões das assembleias municipais e das assembleias de freguesia são também públicas, uma vez que o diploma que regula as suas atribuições e a competência dos respectivos órgãos não estabelece qualquer excepção ao carácter público que, como princípio, têm por força do artigo 119º, nº 1, da Constituição (Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de março, alterado pela Lei nº 25/85, de 12 de agosto, pela Lei nº 18/91, de 12 de junho e pela Lei nº 35/91, de 27 de julho).
Enquanto não estiverem, em concreto, instituídas as regiões administrativas, subsiste a divisão distrital e existe, em cada distrito, uma assembleia distrital. As reuniões destas assembleias são também públicas, uma vez que o artigo 22º do Decreto-Lei nº 5/91, de 8 de janeiro, impõe a aplicação subsidiária das regras que vigoram para os órgãos municipais e, como se viu, não existe qualquer disposição que lhes retire o carácter público.
3. A Constituição e a legislação ordinária são parcas no que diz respeito à disciplina da transmissão de imagens ou de tomadas de som das audiências dos tribunais e dos debates nas assembleias políticas.
Apenas no que diz respeito às audiências dos tribunais o Código de Processo Penal se refere ao problema, limitando-se a estabelecer que tais actos dependem de prévia autorização judicial.
V - A liberdade e o financiamento dos media
1. O Tribunal Constitucional não teve até agora oportunidade para se pronunciar sobre a constitucionalidade de quaisquer disposições legislativas relativas aos media electrónicos, por não ter sido solicitado para tal.
Em todo o caso, a liberdade dos media em geral foi, várias vezes, aflorada pela jurisprudência constitucional na dimensão de independência em face do poder político (liberdade externa) e em face do poder económico. Deste modo, a Comissão Constitucional ( entidade que teve, em Portugal, competência para a fiscalização da constitucionalidade entre 1976 e 1982 - data da criação do Tribunal Constitucional) abordou várias vezes a liberdade em face do Governo e da Administração Pública, exigindo a reserva de lei relativamente às normas estatutárias sobre a composição de órgãos dirigentes (Pareceres nºs 14/79 e 28/79).
Todavia, a Comissão Constitucional condicionou esse significado de independência, considerando que a radiodifusão desempenha um interesse público, não sendo inconstitucionais as normas que prevêem especiais poderes para o Estado quanto à sua autorização ou à interdição de programas "que incitem à prática de crimes ou violem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, nomeadamente pelo seu espírito de intolerância, violência ou ódio, ou que, por lei, sejam considerados pornográficos ou obscenos" (Parecer nº 28/79) e julgando não inconstitucional, em face do artigo 39º, nº 1, da Constituição, "a possibilidade de destituição dos titulares de órgãos de designação governamental livremente e a todo o tempo, independentemente da invocação de qualquer causa justificativa ou de qualquer procedimento".
A Comissão Constitucional também se pronunciou sobre a liberdade interna nos meios de comunicação social estatizados (Parecer nº 28/79); explicitamente, no plano dos princípios e ainda, implicitamente, como decorrênciarias parlamentares nos órgãos de gerência de alguns meios de comunicação social.
2. O Tribunal Constitucional português tem formulado exigências de imparcialidade e independência relativamente à concretização do direito de antena pelos diversos partidos políticos, sobretudo em situações de propaganda eleitoral.
Assim, a igualdade de tempo de antena é a exigência fundamental como garantia do pluralismo ideológico e de contraditório numa sociedade democrática.
Na fase da Comissão Constitucional existem pareceres revelando o fim de interesse público da radiodifusão e considerando vedadas manifestações penalmente relevantes (injúrias ou difamações, por exemplo) da expressão do pensamento pela rádio e televisão.
As exigências constitucionais que a Comissão Constitucional configurara não eram essencialmente distintas quanto ao sector público e privado, na medida em que a função pública da radiodifusão (que justifica a autorização pelo Estado) exige o pluralismo ideológico. Assim, veio entender-se que também as estações privadas são obrigadas a conferir tempo de antena aos partidos políticos para propaganda eleitoral. Todavia, as exigências de realização do serviço público (por exemplo, em caso de greve) são diferentes e mais intensas no domínio público.
O Tribunal Constitucional não se pronunciou, porém, tão directamente sobre estas exigências, sendo dominante a jurisprudência sobre igualdade no exercício do direito ao tempo de antena nos media. Nesses múltiplos acórdãos eleitorais sobressai a exigência de uma igualdade de oportunidades como pressuposto da democracia e de uma necessária desvinculação da propaganda partidária do poder público.
A jurisprudência da Comissão Constitucional pronunciou se várias vezes sobre as condições organizativas e institucionais do pluralismo nos media, impedindo discriminações no financiamento pelo Estado (por exemplo, no fornecimento de papel - cfr. Parecer nº 26/77) e entendeu que, embora a Constituição portuguesa não impusesse positivamente a adopção de medidas de apoio à imprensa para que a liberdade de expressão do pensamento ou a liberdade de religião fossem asseguradas, vedaria discriminações ou diferenciações de tratamento que pudessem redundar numa "censura económica" vedada pelo artigo 37º, nºs 1 e 2, da Constituição (Parecer nº 29/77).
A par deste tipo de exigências relativas ao pluralismo geral dos media, a Comissão Constitucional também foi chamada a pronunciar-se quanto à sua organização interna pluralista, não tendo, no entanto, chegado a proferir parecer de inconstitucionalidade material quanto à designação pelo Governo de todos os elementos do conselho de gerência da Radiodifusão e da Televisão, por as normas respeitantes a tais temas serem organicamente inconstitucionais (cfr. Parecer nº 14/79). Concluiu-se, no entanto, que a possibilidade de destituição "a todo o tempo" dos titulares de órgãos de gerência daqueles meios de comunicação social de designação governamental era inconstitucional, assegurando se a independência ideológica de tais órgãos relativamente às maiorias parlamentares e governamentais.
O reconhecimento de exigências institucionais do pluralismo dos media implica, obviamente, o reconhecimento pela jurisprudência constitucional (sobretudo da Comissão Constitucional) do pluralismo interno e externo dos media. O pluralismo interno foi afirmado no plano dos princípios (Parecer nº 27/79) e assegurado, indirectamente, pela exigência de independência dos órgãos de gerência em face do Governo, o que impede a dominância de maiorias parlamentares com expressão no Governo. De modo mais directo, o próprio Tribunal Constitucional tem assegurado a igualdade no exercício do direito de antena em matéria de propaganda eleitoral mesmo nos meios de comunicação social privados. Quanto ao pluralismo externo, a jurisprudência da Comissão Constitucional exprimiu várias vezes a relevância constitucional da igualdade de apoios institucionais e financeiros entre as diferentes entidades públicas e privadas a cargo das quais estaria a comunicação social. Mesmo as discriminações admissíveis em matéria fiscal entre empresas públicas e privadas não poderão ir ao ponto de afectar directa ou indirectamente a liberdade de imprensa (cfr. Parecer nº 28/79).
A jurisprudência constitucional não se pronunciou directamente sobre a existência de um verdadeiro direito à difusão. Na jurisprudência da Comissão Constitucional, o interesse público foi um critério e limite decisivo da concessão do direito à difusão, não se assumindo nunca, expressamente, um direito subjectivo à difusão, mas enquadrando se sempre tal actividade como um interesse geral, condição da livre expressão do pensamento, da liberdade de imprensa e do pluralismo ideológico.
O Tribunal Constitucional não foi solicitado até hoje sobre tal questão, mesmo após controvérsias surgidas na sociedade, após a abertura da radiotelevisão à iniciativa privada, em regime de concessão.
3. O Tribunal Constitucional nunca teve ensejo de se pronunciar sobre a questão do financiamento dos media.
O Orçamento do Estado prevê a atribuição de subsídios e indemnizações compensatórias a atribuir a empresas de cuja actividade decorre a prestação de serviço público.
Nos termos dos diplomas legais que transformaram a Radiodifusão e a Radiotelevisão Portuguesas, empresas públicas, em sociedades anónimas (respectivamente, o Decreto-Lei nº 2/94, de 10 de janeiro e a Lei nº 21/92, de 14 de agosto) e nos termos do contrato de concessão a celebrar com o Estado, têm aquelas empresas direito a subsídios e indemnizações, não reembolsáveis, pelo cumprimento das obrigações de serviço público que lhe são atribuídas, devendo as verbas a entregar ser objecto de rigorosa justificação prévia e entregues na medida em que for prestado o serviço que as justifica.
Não pode, pois, falar-se em limite daquele direito a subsídios e indemnizações.
O montante a atribuir a cada uma daquelas empresas é retirado da dotação global "despesas extraordinárias", que a Lei do Orçamento consigna para o Ministério das Finanças, e a aprovação, para cada ano, desse montante e a sua distribuição são feitas através de resolução do Conselho de Ministros.
O montante exacto a que têm direito corresponde ao efectivo custo da prestação do serviço público, o qual é apurado com base em critérios objectivamente quantificáveis e no respeito pelo princípio da eficiência de gestão, como se estabelece nos referidos diplomas legais já identificados.
Por isso, não é tanto a legislação a ter influência no montante das verbas a atribuir, mas o custo da prestação do serviço que vai determinar esse montante.
Para efeitos de atribuição do montante, terá o conselho de administração de ambas as empresas enviar, anualmente, ao Ministro das Finanças e ao membro do Governo responsável pela área da comunicação social, o relatório de gestão e as contas do exercício, todos os elementos adequados à compreensão integral da situação económica e financeira da empresa, eficiência de gestão e perspectivas da sua evolução.
O conselho fiscal enviará também periodicamente às mesmas entidades um relatório sucinto, no qual se refiram os controlos efectuados, as anomalias detectadas e os principais desvios em relação às previsões.
Só a partir do momento em que haja despacho favorável das tutelas financeira e sectorial é autorizada a entrega.
Por vezes, a Resolução do Conselho de Ministros, que procede à atribuição de tais verbas, explicita o fim a que as mesmas se destinam, como sucede com a Resolução que, para o ano de 1995, atribui o subsídio à Radiodifusão para reequilíbrio da exploração.
Registe-se que, nos termos das leis que disciplinam o exercício da actividade de radiodifusão e de televisão, nunca aquela actividade pode ser exercida nem financiada por determinadas entidades, como sejam, por exemplo, partidos ou associações políticas, organizações sindicais, patronais ou profissionais.
A Lei nº 87/88, de 30 de julho (lei que disciplina o exercício da actividade de radiodifusão) estabelece que são aplicáveis à respectiva actividade as normas reguladoras da publicidade e actividade publicitária (artigo 13º) e a Lei nº 58/90, de 7 de setembro (lei que disciplina o exercício da actividade de radiotelivisão) dispõe que são aplicáveis à televisão as normas gerais reguladoras da publicidade comercial e da actividade publicitária (artigo 26º).
Tais normas constam basicamente do Código da Publicidade, mas também de outros diplomas avulsos, incluindo aquelas mesmas leis, e diplomas de direito comunitário.
Assim, as limitações à publicidade na rádio e na televisão são enunciadas em normas que dispõem para a publicidade em geral e outras que dispõem especificamente para a rádio e televisão.
As Leis nºs 87/88 e 58/90 enunciam proibições e restrições à publicidade.
Assim, é proibida a publicidade de produtos nocivos à saúde, como tal qualificados por lei, de objectos de conteúdo pornográfico ou obsceno e de partidos ou associações políticas e de organizações sindicais, profissionais e representativas de actividades económicas ou patronais.
A Lei nº 87/88 proíbe ainda a publicidade oculta, indirecta ou dolosa e, em geral, a que utilize formas que possam induzir em erro sobre a qualidade dos bens ou serviços anunciados e a Lei nº 58/90 a publicidade subliminar e a publicidade clandestina.
Tais restrições, inseridas nos diplomas que regulam a actividade da rádio e da televisão, têm equiparação no Código de Publicidade para a publicidade em geral.
A publicidade pode ser ainda limitada através do tempo de duração da sua emissão.
Assim, ambas aquelas leis estabelecem uma percentagem do tempo de emissão diária para a difusão da publicidade.
Regendo-se a publicidade em geral pelos princípios da licitude, identificabilidade, veracidade e respeito pelos direitos dos consumidores, é proibida a publicidade que atente contra aqueles princípios.
Registe-se, nomeadamente, que é proibida a publicidade que, pela sua forma, objecto ou fim, ofenda os valores, princípios e instituições constitucionalmente consagrados.
O Código da Publicidade estabelece ainda restrições ao objecto da publicidade, assinalando-se, no que toca a bebidas alcoólicas, que não podem ser publicitadas na rádio nem na televisão dentro de determinado horário.
Finalmente, o texto constitucional proíbe todas as formas de publicidade oculta, indirecta ou dolosa.
4. O tema da adopção de medidas preventivas contra a constituição de monopólios nunca foi abordado pelo Tribunal Constitucional.
Este tema nunca foi abordado pelo Tribunal Constitucional, quer quanto à imprensa quer quanto à radiodifusão e à televisão.
Ainda nenhuma questão relacionada com o acesso ao uso de frequências foi tratada pelo Tribunal Constitucional.
Quanto à legislação, há a referir que ela não estabelece condições para aceder propriamente a "frequências", antes estabelece um plano técnico de frequências de acordo com o qual os interessados no exercício da actividade de radiodifusão e de radiotelevisão têm de actuar (Decretos-Leis nºs 401/90, de 20 de dezembro e 338/88, de 28 de setembro).
A legislação estabelece, isso sim, condições de acesso ao exercício, quer da actividade de radiotelevisão, quer da actividade de radiodifusão.
Uma vez cumpridos os requisitos que, por essa legislação, são exigidos para este acesso, os concorrentes terão de se conformar com o plano técnico previamente elaborado.
Basicamente passam a expor-se as condições a que está sujeito o acesso a essas actividades:
a) A exploração da actividade televisiva, com excepção do serviço público, carece de licença a conferir por concurso público, o qual obedece às disposições contidas na Lei nº 58/90 e em Regulamento aprovado por resolução do Conselho de Ministros (cfr. a Resolução nº 49/90, publicada na I Série do Diário da República, nº 300, de 31 de dezembro de 1990).
Aquela lei estabelece como requisitos para aceder ao exercício dessa actividade, e consequentemente à atribuição de canais televisivos, que as entidades que a estes se candidatem revistam a forma jurídica de sociedades anónimas, que prossigam como objecto exclusivo o exercício de actividades no âmbito da televisão, detenham nacionalidade portuguesa, sede em Portugal, e possuam um capital social mínimo de certo montante, que pode ser integralmente realizado até oito dias após a publicação da resolução do Conselho de Ministros.
Além destes requisitos, impõe aquela lei que nenhuma pessoa privada, singular ou colectiva, pode, directa ou indirectamente, ser titular de participações a 25% do capital social de qualquer sociedade candidata ao licenciamento, nem participar no capital social de mais de uma sociedade candidata.
Também nenhuma pessoa estrangeira, singular ou colectiva, pode deter participação no capital social de mais de uma sociedade candidata ao licenciamento, nem o conjunto das participações de capital estrangeiro pode exceder 15% do capital social de cada operador de televisão.
A atribuição da licença é feita ainda tendo em conta os seguintes factores: qualidade técnica e viabilidade económica do projecto, tempo e horário de emissão com programas culturais, de ficção e informativos, tempo de emissão destinado à produção própria, nacional e europeia, capacidade do candidato para satisfazer a diversidade de interesse público.
O Regulamento impõe a prestação de uma caução como condição de admissão ao concurso.
Saliente-se ainda que, do ponto de vista processual, o Regulamento impõe a obrigatoriedade de o processo de candidatura ser instruído, entre outros, com documento comprovativo de regularização da situação contributiva perante a Segurança Social da sociedade anónima concorrente, e de proposta detalhada da actividade de televisão que a sociedade anónima concorrente se propõe exercer, com especial referência ao número de horas de emissão semanal, discriminando os tempos de emissão em claro e codificada, de ficção e informativos, a grelha de programação, os tempos de emissão destinados à produção própria, à nacional e à europeia, bem como quaisquer outros elementos julgados úteis à ponderação dos factores atrás referidos.
Deve ainda o processo ser instruído com estudo económico e financeiro das condições de exploração do canal de televisão, em especial das suas fontes de financiamento, dos planos de amortização e demonstração da viabilidade económica do projecto.b) No que respeita ao exercício da actividade de radiodifusão, dispõem a Lei nº 87/88, de 30 de julho e o Decreto-Lei nº 338/88, de 28 de setembro.
A actividade de radiodifusão pode ser exercida por pessoas colectivas de direito público e operadores privados que revistam a forma jurídica de pessoas colectivas, de acordo com aquela Lei e nos termos do referido Decreto-Lei.
A actividade de radiodifusão só é permitida mediante a atribuição de alvará devendo cada operador dispor de tantos alvarás quantos os tipos de onda em que exerça simultaneamente a sua actividade.
A atribuição de alvará é feita através de concurso público e este está sujeito às disposições contidas em regulamento.
O Decreto-Lei nº 338/88 exige ainda, entre outros requisitos, que os requerentes demonstrem a viabilidade económica e financeira do empreendimento.
O tema da consideração do direito de difusão comercial como condição da liberdade de opinião e da luta contra os monopólios não foi tratado ainda pelo Tribunal Constitucional.