Conferências Tripartidas Portugal, Espanha e Itália
Os Tribunais Constitucionais perante a nova Constituição
Europeia
(incluindo a Carta dos Direitos Fundamentais)
e a sua futura articulação com o Tribunal de Justiça das
Comunidades Europeias
(e com o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem)
A revisão dos Tratados da União
Europeia e das Comunidades Europeias e a posição futura dos Tribunais
Constitucionais dos Estados-Membros
Contributo para uma discussão
Rui Manuel Moura Ramos
[Lisboa, 27 e 28 de novembro de 2004]
Notas de rodapé
[2] Nesta linha, veja-se a obra de Giuseppe Barile, Costituzione e rinvio mobile a diritto straniero,diritto canonico, diritto comunitario, diritto internazionale. Pádua, 1987, Cedam.
[3] Em Portugal vejam-se os artigos 8, nº 2 e nº 3 que prevêem, respectivamente, a recepção do direito internacional convencional (e portanto do direito comunitário originário ou primário) e dos actos unilaterais das organizações internacionais que, nos termos dos respectivos tratados constitutivos, devem produzir efeitos nos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros (e assim, inter alia, do direito comunitário derivado), tendo este último número sido introduzido (pela Revisão Constitucional de 1982 – a primeira) na perspectiva da adesão às Comunidades.
[4]
Na ordem jurídica portuguesa, e para além de uma significativa
alteração no texto do artigo 8º, nº 3 ( pela Revisão
Constitucional de 1989 – a segunda), saliente-se a introdução
(pela Revisão Constitucional de 1992 – a terceira) do nº 6
do artigo 7º que estabelece as condições em que Portugal
pode convencionar o exercício em comum dos poderes necessários
à construção da União Europeia e a alteração
do nº 5 do mesmo artigo e, por fim, a modificação daquele
mesmo nº 6 (pela Revisão Constitucional de 2001 – a quinta)
em termos de sublinhar que aqueles poderes podem ser exercidos também
em cooperação e tendo em vista a criação de um espaço
de liberdade, de segurança e de justiça.
Sobre o sentido destas modificações cf. o nosso trabalho “The
adaptation of the Portuguese constitutional order to Comunity Law”, in
AA.VV, EU Enlargement. The Constitutional
Impact at EU and National Level,The Hague, 2001, T.M.C. Asser Instituut,
pp. 131-139, e Carlos Botelho Moniz, “ A Constituição da
República Portuguesa e a participação de Portugal na União
Europeia”, in Juris et de Jure.
Nos vinte anos da Faculdade de Direito
da Universidade Católica Portuguesa – Porto, Porto, 1998,
pp. 1125-1247.
Também noutros Estados-Membros este processo continua ainda a desenrolar-se.
Por exemplo quanto à França veja-se por último Cécile
Castaing, “L’extension du contrôle de conventionnalité
aux principes généraux de droit communautaire , 39 Revue
Trimestrielle de droit européen (2003), pp. 197-228.
[5] Sobre a importância assim ganha por este mecanismo, veja-se o nosso “Reenvio prejudicial e relacionamento entre ordens jurídicas na construção comunitária”, in Das Comunidades à União Europeia. Estudos de Direito Comunitário, 2ª edição, Coimbra, 1999, Coimbra Editora, pp. 213-237.
[6] Para uma indicação sintética das principais dessas decisões e do seu conteúdo essencial cf. o que escrevemos em “Controle juridictionnel des actes des institutions communautaires”, in Cursos Euromediterraneos Bancaja de Derecho Internacional, IV (2000), pp. 421-461, a ps.451-456.
[7]
Questão sobre a qual o Tribunal de Justiça não tem dúvidas
em afirmar o mesmo princípio do primado. Cf. as decisões citadas
no trabalho referido na nota anterior, a ps. 463, e em particular o acórdão
Internationales Handelsgesellschaft, de 17 de dezembro de 1970, no processo
11/70, nos termos do qual “a invocação de ofensas feitas
quer aos direitos fundamentais tais como eles são formulados pela Constituição
de um Estado-Membro, quer aos princípios de uma estrutura constitucional
nacional não pode afectar a validade de um acto da Comunidade ou o seu
efeito no território desse Estado”.
Explicitando esta ideia escreveu-se por exemplo que “é impossível
não afirmar que o primado do direito comunitário consagrado pela
jurisprudência do Tribunal de Justiça corresponde a uma exigência
existencial da Comunidade, de que o direito que ela edita deve produzir os mesmos
efeitos em todos os Estados-Membros que a compõem, sem que possa ser
paralisado por normas internas, qualquer que seja a sua importância. A
estrutura constitucional própria de cada Estado membro não constitui
um obstáculo à aplicação uniforme em toda a Comunidade
deste direito comum constituído pelo Direito Comunitário”.
Assim Gil Carlos Rodrigues Iglesias – Jean-Pierre Puissochet, “Rapport
de la Cour de Justice des Communautés Européennes”, in Les
Cahiers du Conseil Constitutionnel, nº 4, 1998, pp. 78-81, a ps.
81.
[8] Neste sentido, entre nós, e por último, o nosso trabalho citado supra, na nota 2. a p. 136, Cardoso da Costa, “O Tribunal Constitucional Português e o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias”, in Ab Uno Ad Omnes. 75 Anos da Coimbra Editora, Coimbra, 1998, Coimbra Editora, pp. 1363-1380 e Maria Helena de Brito, “Relações entre a ordem jurídica comunitária e a ordem jurídica nacional: desenvolvimentos recentes em direito português”(em vias de publicação).
[9] Seguimos aqui o critério de Cardoso da Costa que Maria Helena de Brito utiliza também na sua exposição (vejam-se os trabalhos destes autores citados supra, na nota 8).
[10] Desde o acórdão Foto-frost (processo 314/85) de 22 de outubro de 1987.
[11] Veja-se o acórdão Internationale Handelsgesellschaft (dito Solange I) de 29 de maio de 1974.
[12] Sobre esta evolução, cf. o nosso trabalho “A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a protecção dos direitos fundamentais”, in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Rogério Soares ( Boletim da Faculdade de Direito. Studia Juridica. 61. Ad Honorem – 1), Coimbra, 2001, Coimbra Editora, pp.963-989.
[13]
Numa decisão de 22 de outubro de 1986, no Caso Wünsche Handelsgesellschaft
(Solange II).
[14] Decisão geralmente
referida como Maastricht.
[15] Para uma explicitação desta posição, cf. Dieter Grimm, “ La Cour européenne de justice et les juridictions nationales, vues sous l’angle du droit constitutionnel allemand. Situation après la “décision Maastricht” de la Cour constitutionnelle fédérale d’Allemagne”, in Les Cahiers du Conseil Constitutionnel, nº 4, 1998, pp. 70-77.
[16] Assim a decisão de 7 de junho de 2000, no processo bananas. Sobre este aresto e o seu significado na evolução da posição do Bundesverfassungsgericht, cfr. entre outros Constance Grèwe, “Le “traité de paix” avec la Cour de Luxembourg: l’arrêt de la Cour constitutionnelle allemande du 7 juin 2000 relatif au règlement du marché de la banane”, 37 Revue trimestrielle de droit europeén (2001), pp. 1-17.
[17] Acórdão 621/98. Cf. a propósito os trabalhos de Cardoso da Costa e Maria Helena de Brito referidos supra, na nota 8.
[18] Que Cardoso da Costa propende a identificar (op. cit. supra, nota 8, a p. 1378, nota 14) com a protecção dos direitos fundamentais e com a garantia do respeito das “singularidades” próprias de cada Constituição nacional. Recorde-se, quanto a esta últimas, que a União se compromete a respeitar, nos termos do artigo 6º, número 3, do Tratado “as identidades nacionais dos Estados-Membros”.
[19] Neste sentido igualmente Olivier Dord, “Controle de constitutionnalité et droit communautaire dérivé; de la nécessité d’un dialogue entre les juridictions suprêmes de l’Union européenne”, Les Cahiers du Conseil Constitutionnel, nº 4, 1998, pp. 98-104.
[20] Vejam-se as referências a este propósito contidas no nosso trabalho citado supra, na nota 4, ps. 137, nota 3, onde se refere que os Tribunais Constitucionais italiano e espanhol se não consideram “jurisdições” no sentido do artigo 234 do Tratado CE e que o Tribunal Constitucional alemão não tomou ainda posição a este respeito. O Tribunal Constitucional Português no acórdão 184/89 admitiu a possibilidade de proceder ao reenvio prejudicial, na esteira do que já fizeram até hoje o Tribunal Constitucional austríaco e a Cour d’Arbitrage belga.
[21] Cf. o que escrevemos em “O Projecto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa: breve reflexão, “ 15-16 Temas de Integração (2003), pp. 271-280, a p. 275.
[22] Recorde-se que a construção dos tratados como a “Carta Constitucional” da União (na altura da Comunidade) se ficou a dever à jurisprudência comunitária a partir do acórdão Os Verdes (de 23 de abril de 1986, processo 294/83, Colectânea, pp. 1339 e ss, ponto 23).
[23] Neste
aresto sustentou-se que, ao cometer um abuso de poder (ultra
vires), as instituições
comunitárias além de violarem os Tratados ultrapassariam a competência
que lhes havia sido concedida pela disposição nacional que torna
o direito comunitário aplicável no território dos Estados-Membros.
Sendo também os tratados a base da transferência de soberania para
a Comunidade, o Tribunal Constitucional alemão admite que o controlo
dos actos susceptíveis de violar aquelas disposições não
resida unicamente no Tribunal de Justiça, mas que lhe caiba inclusivamente
controlar as decisões desta jurisdição, caso ela não
apreendesse plenamente e aprovasse portanto as violações do Tratado
cometidas pelas instituições comunitárias.
Para além de ser questionável saber se esta posição
do Bundesverfassungsgericht
se mantém após a referida decisão de 7 de junho de 2000
não se vê como conciliá-la com o aprofundamento da integração
jurídica da União que resulta da aprovação de uma
Constituição.
[24] De 15 de julho de 1964, no processo 6/64.
[26] Adesão que não se vislumbra como poderá dispensar, em certos casos (e designadamente entre nós) a utilização prévia dos mecanismos de revisão constitucional.
[27] A que o “legislador” do Projecto de algum modo procura fazer face, por exemplo com a redacção proposta para o artigo III-270º, número 4, que alarga a legitimidade activa dos particulares no recurso de anulação, permitindo-lhes atacar os “actos regulamentares que lhe digam directamente respeito e que não incluam medidas de execução”, mesmo que tais actos lhe não digam individualmente respeito, nos termos do que tem sido a jurisprudência do Tribunal de Justiça, recentemente reafirmada no acórdão União dos Pequenos Agricultores (de 25 de julho de 2002, no processo C-50/00P). Sobre esta decisão e os seus antecedentes vejam-se, por exemplo, Pietro Manzini, “Ricorso di annulamento: riforma e controriforma”, Il Diritto dell’ Unione Europea, 4/2002, pp. 717-737, Pascal Gilliaux, “L’arrêt Unión de Pequeños agricultores: entre subsidiarité jurisdictionnelle et effectivité”, 38 Cahiers de Droit Européen (2003), pp. 177-202 e John A. Usher, “Direct and individual concern – an effective remedy or a conventional solution?”, 28 European Law Review (2003), pp. 575-600.
[28] Veja-se o que escrevemos em “Controle juridictionnel des actes des institutions communautaires” (cit. supra, nota 6, p.458) e ainda Koen Lenaerts, “ The legal protection of private parties under the EC Treaty: a coherent and complete system of judicial review?”, in Scritti in onore di Giuseppe Federico Mancini, v. II – Diritto dell’Unione Europea, Milão, 1998, Giuffré, pp.591-623 (617-623).
[29] Sobre
este texto, cf. o nosso trabalho citado supra,
na nota 12, António Goucha Soares, A
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A Protecção
dos Direitos Fundamentais no Ordenamento Comunitário,
Coimbra, 2002, Coimbra Editora, e as contribuições inseridas em
Diritto, Diritti Giurisdizione
La Carta dei diritti fondamentali dell’Unione Europea
( a cura di Roberto Toniatti), Pádua, 2002, Cedam.
E para o sentido desta integração, veja-se Franz C. Mayer, “La
Charte européenne des droits fondamentaux et la Constitution européenne,”
39 Revue trimestrielle de droit
européenne (2003), pp. 175-196.
[30] Cf. o quarto considerandum do preâmbulo da Parte II (Carta dos Direitos Fundamentais da União) do Projecto.
[31] Isto é, nos seus Títulos I a VI (artigos II – 1º a II – 50º): Dignidade, Liberdades, Igualdade, Solidariedade, Cidadania e Justiça.
[32] Maxime a Parte III (Políticas e Funcionamento da União).
[33] Nos termos das “anotações elaboradas sob a responsabilidade do Praesidium da Convenção que elaborou a Carta”, que, segundo o considerandum 5 do Prêambulo da Parte II do Projecto, deverão guiar os órgãos jurisdicionais da União e dos Estados-Membros na interpretação da Carta, “A Carta não modifica o regime de direitos conferidos pelos Tratados”, visto que “quando um direito resulta dos Tratados está sujeito às condições e limites por eles previstos” o que se afigura algo paradoxal face ao reconhecimento da sua fundamentalidade.
[34] E não já “no campo de aplicação do direito comunitário”, como o exige a jurisprudência do Tribunal de Justiça (cf. o nosso trabalho citado supra, na nota 12, a p. 986, na nota 71).
[35] Cf., para a respectiva indicação, os artigos II – 265º a II – 267º e II – 274º.
[36] Vide, a contrario, o disposto no artigo II – 282º.
[37] Nestes termos, o número 2 do artigo II – 51º, quanto ao respectivo âmbito de aplicação, parece inequívoco ao dispor que “a presente Carta não torna o âmbito de aplicação do direito da União extensivo a competências que não sejam as da União, não cria quaisquer novas atribuições ou competências para a União, nem modifica as atribuições e competências definidas nas outras partes da Constituição”.
[38] Assim, por exemplo, o novo número 5 do artigo II-52º da Carta precisa que as disposições deste texto “que contenham princípios poderão ser implementadas através de actos legislativos e executivos aprovados pelas instituições e órgãos na União e por actos adoptados pelos Estados-Membros, em aplicação do direito da União, no exercício das respectivas competências. Só serão invocadas perante o juiz tendo em vista a interpretação destes actos e o controlo da sua legalidade”.
[39] Nos termos em que ele é por exemplo caracterizado por Francis Jacobs no seu “Is the Court of Justice of the European Communities a Constitutional Court?” in Constitutional Adjudication in European Community and National Law. Essays for thr Hon. Mr. Justice T. F. O’Higgins (editado por Deirdre Curtin e David O’Keeffe), Londres, 1992, Butterworths, pp. 25-32.
[41] Sobre esta reforma, Moura Ramos, “O Tratado de Nice e a reforma do sistema jurisdicional comunitário”, 12-13 Temas de Integração (2001-2002), pp. 77-104. Acrescente-se que a reforma assim possibilitada não foi ainda levada à prática, aguardando-se a publicação dos actos comunitários que levarão a cabo a respectiva concretização. Actos de que o Projecto ora em discussão decerto faz depender a adaptação do sistema jurisdicional comunitário às suas novas tarefas uma vez que a única nota que nele encontramos a este propósito é a do (novo) número 4 do artigo III-274º, em matéria de reenvio prejudicial, nos termos do qual “se uma questão [de interpretação ou de validade de um acto comunitário] é suscitada num processo pendente numa jurisdição nacional em que uma pessoa se encontra detida, o Tribunal de Justiça decide no prazo mais curto possível”.
[42] Vejam-se por exemplo as espécies jurisprudenciais que comentámos em “Public policy in the framework of the Brussels Covention. Remarks on two recent decisions by the European Court of Justice”, 2 Yearbook of Private International Law (200), p. 25-39.
[43] Dispõe este preceito: Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma protecção mais ampla.
[44] Anote-se, a este propósito que o Projecto inclui um Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidariedade e da proporcionalidade, onde, no que toca ao controlo da aplicação do primeiro, se reconhece algum papel aos Parlamentos nacionais dos Estados-Membros, reservando-se embora a última palavra ao Tribunal de Justiça.
[45] Assim também já Olivier Dord, “Systèmes juridiques nationaux et Cours Européennes: de l’affrontement à la complementarité?”, in Pouvoirs, nº 96 (Les Cours Européennes. Luxembourg et Strasbourg), p. 518.
[46] Cremos ser também esta a proposta de Marta Cartabia e Afonso Celotto, “La Giustizia Costituzionale in Italia dopo la Carta di Nizza”, 47 Giurisprudenza Costituzionale (2002), pp. 4447-4507.
[47]
Cf. neste sentido igualmente as observações dos autores referidos
na nota anterior.